O seu Eriberto foi só o primeiro cadáver que Lara desenterrou. Tomou gosto pela atividade, nem enjoava ou vomitava mais, mas passou a fazer isso com os corpos de indigentes enterrados em cemitérios mais pobres e obscuros.
Vestia-os, levava os que se achavam em melhor estado para passear à luz do dia e depunha-os em seu sofá, tirando fotos em seguida.
Após devolvê-los às suas sepulturas anônimas, faxinava todo o apartamento.
Enfim chegou seu prêmio: por e-mail, recebeu um link que devolvia seu acesso ao fórum do Compasso de Urizen. Ou melhor, providenciava-lhe o acesso a um tópico que era exclusivo seu:
"Muito bem! Estivemos observando-a com bastante atenção e percebemos que avançou muito. Agora já conhece melhor a morte. Terá, portanto, direito a usufruir do melhor da presença dela."
Eram as primeiras linhas de um longo texto. Conseguia ouvi-lo pronunciado pela voz de Sorath:
"Não se preocupe, pois em breve voltará a ter acesso ao fórum inteiro. Inclusive a tópicos antes inacessíveis. Mas não se esqueça, sempre pode desistir..."
Não desistiria. Juntaria todos os materiais necessários: velas pretas, um altar de madeira, um círculo mágico traçado em tecido; de preferência um círculo de Goécia. Com a diferença, em relação às práticas tradicionais, de que o espelho negro seria sua tela de computador desligada.
Não pronunciaria nenhuma oração. Apenas se sentaria na cadeira, no centro do círculo, e aguardaria em silêncio, seus olhos fixos na tela.
Fez conforme era ordenado, acendeu as velas, apagou toda luz artificial e esperou.
Quando menos esperava, um furacão a atingiu. Foi erguida no ar, a uma altura em que no começo ainda era possível vislumbrar o círculo mágico, mas a serpente que o percorria se tornou um dragão de ventos, que, ao olhar bem, eram dados: códigos alfanuméricos que se elevaram ao redor dela. O chão, tornado gelo, rachou em um estrondo.
Em vez do buraco ficar distante, foi subindo. Eram trevas e gelo, nos quais demorou alguns segundos para se dar conta de que refletiam painéis informáticos. Lembrou-se de seu computador.
Estava de volta ao quarto. A tela acendera sozinha. Como aquilo podia estar acontecendo? Não ingerira droga alguma. Quem era o tal de Sorath? O mais hábil dos mágicos? De que maneira poderia fazer algum truque, se não estava fisicamente presente? Não parecia ter executado nenhuma técnica de hipnose. Só podia ser um mago, um feiticeiro louco do ciberespaço. Os mesmos códigos que antes formavam ventos apareciam na tela. Foi tentando decifrá-los e, para seu espanto, estava conseguindo! Revelavam incríveis segredos e possibilidades.
Agora começava a compreender a epifania, a inspiração que havia conduzido Sorath à criação do Necroregro.