Tinha sido bem bizarro ingerir os cogumelos mágicos. Havia ido parar em uma outra realidade, que misturava suas fantasias e reflexões com tramas e cenários de livros, filmes e jogos que conhecia. Se não tivesse tomado nada, poderia dizer que experimentara o que os esotéricos chamavam de viagem ou projeção astral. Ou então teria se tratado de um sonho – ou pesadelo – dos mais loucos e vívidos.
E se tivesse sido uma visão do futuro? A possibilidade de uma guerra nuclear, por um tempo esquecida, havia voltado à tona. Na pandemia diziam “vamos sair melhores”, mas o filho da puta homofóbico do Putin e os filhos da puta ambiciosos da OTAN pareciam de igual maneira dispostos a mandar o mundo pelos ares por uma picuinha de merda em que ninguém estava disposto a ceder. E se tivesse sido algo profético, premonitório? Ainda mais com os avanços da inteligência artificial. Uma máquina contrariada ou ordenada a trazer paz ao mundo poderia trazer outros tipos de paz, através da guerra inclusive, como já tinham pregado certos filósofos cujos textos a IA poderia acessar. Pelo bem maior, sacrificar vidas não seria nada, só um efeito colateral. Afinal, máquinas não seguiam moral alguma; e os próprios seres humanos não eram assim tão éticos quanto alegavam.
Tinha visto um vídeo que dizia que a presente civilização poderia acabar em ridículos sessenta minutos depois do lançamento da primeira arma nuclear. Bastaria uma bomba norte-coreana ser lançada nos EUA e os norte-americanos retaliariam de imediato, mas para isso teriam que passar pelo espaço aéreo dos russos, que considerariam a iniciativa yankee como uma agressão ao seu território. Contra-atacariam, e cidades como Nova Iorque e Washington, e por consequência Moscou e São Petersburgo, virariam pó, pois se instalaria um conflito entre as duas maiores potências atômicas. Em questão de uma hora, o hemisfério norte seria destruído e logo se instalaria um inverno nuclear. Os ricos sobreviveriam em bunkers e os pobres morreriam na guerra ou por doenças causadas pela radiação, que chegaria também ao Brasil, à África do Sul, à Argentina e à Austrália, e esses países estariam entre as novas superpotências, disputando as armas nucleares restantes entre si. Contudo, estas também poderiam cair nas mãos de grupos paramilitares, formados por radicais de diferentes correntes e pelo que restaria dos governos do hemisfério norte. Com muitas colheitas arruinadas, haveria fome mundial nas grandes cidades e seria trilhado o caminho da extinção.
Não tinha tanto medo assim de morrer em uma explosão nuclear, só raiva mesmo dos políticos mais ambiciosos e imbecis. De que valeria ter poder e dinheiro em um mundo arruinado e radioativo? Era coisa de gente escrota e sem cérebro. Seu maior medo era morrer aos poucos, sofrendo em consequência de um câncer, por exemplo.
Chegou a se perguntar: e se a realidade fosse a da sua visão com os cogumelos, a droga apenas abrindo as portas da percepção para o que existia de verdade, enquanto sua vida insossa de todos os dias seria parte da Matrix, de uma ilusão, que um megacomputador acabara de reativar, uma vez passado o efeito da droga em seu cérebro? O fato de ser uma droga natural, pois não quisera nada manipulado em laboratório, seria um indicativo a mais de que estaria burlando a artificialidade.
Foi para o computador. Algo que, na aparência, era só um instrumento de trabalho ou conhecimento. Conhecimento este limitado ao mundo que conhecia e que era, a princípio, o único real.
Apesar da experiência com os cogumelos ter tido sua validade, talvez fosse melhor evitá-los para manter os pés no chão, não perder o senso da realidade – ou do que parecia ser real – e não enlouquecer.
Instalou bloqueadores para garantir que não acessaria mais fóruns onde drogas eram comercializadas (ou pelo menos seria muito dificultoso e desestimulante fazer isso). Mas talvez entrasse nos de armas para arrumar uma e estourar seus miolos, a fim de descobrir logo o que havia do outro lado. Queria descobrir se valia mais a pena do que a bosta tediosa do lado de cá, onde tinha que ganhar uma vida que já deveria estar ganha, com direito a idiotas que queriam estourar o mundo e colocar tudo a perder, inutilizando cada pequeno esforço. Mas e se estivessem certos os espíritas que diziam que iria parar no vale dos suicidas, ou então os cristãos que simplesmente a despachavam para o Inferno, ou, o que seria o pior, não descobriria nada porque apenas dormiria?
Um site lhe pareceu mais interessante do que os outros: chamava-se Necrópolis e oferecia diferentes aplicativos para baixar, todos relacionados a questões mortuárias. Havia o Necroregistro, com o registro da hora e da causa da morte de um número que parecia ilimitado de pessoas, tanto famosas quanto anônimas. Bastava inserir uma causa ou um horário e encontrava registros do mundo inteiro. Da Terra do Fogo até a Islândia, da Califórnia à Malásia. Como era possível? Conexões com todos os necrotérios do mundo? E a lista era atualizada a todo momento. Aliás, vidas humanas iam e vinham. Quão vulnerável era a existência humana! E um dia chegaria a sua vez.
Seu nome piscou naquela lista, o que fez com que levasse um susto.
Lara Folkmar. Não era ela. Era uma alemã da cidade de Hamburgo. Mas seu momento chegaria, seu nome um dia apareceria naquela lista. Alguém, como ela um curioso da Deep Web, o leria, ignorando por completo de quem se tratava, seus hábitos, seus gostos, sua aparência. Apenas saberia o horário e a causa da sua morte.
Havia mais outro aplicativo que a interessou: o Necroregro. Parecia uma coisa impossível de existir. Era como uma contagem regressiva. Segundo o que estava escrito, através de contas complexas envolvendo probabilidades que abrangiam a saúde da pessoa e seus hábitos diários, calculava quanto tempo de vida lhe restava. Era o suficiente inserir a localização para que expusesse os registros de todas as pessoas de uma região, inclusive o dela, Lara. Invadia suas conexões.
Sua mão tremeu. Aquilo era demais, só podia ser bobagem. Mas preferiu não clicar em cima da sua identidade. Em vez disso, clicou na de um dos seus quatro vizinhos de andar, um velhinho chamado Eriberto. Não tinha nada contra ele. Mas o aplicativo lhe deu um susto porque tocou um gongo e no canto da tela apareceu uma espécie de cronometro com uma contagem regressiva.
Dava ao pobre senhor só mais uma semana de vida.
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