Lara estava no sofá da sala, de frente para si mesma.
– Os covardes morrem várias vezes antes de sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez. Não é uma frase fantástica? – Era o que dizia a sua Doppelgänger.
– E você se considera corajosa?
O mais brando som de desprezo possível com o mínimo movimento dos lábios foi emitido por sua réplica. O suficiente para despertá-la.
Levantou a cabeça. Tinha caído no sono na frente do computador, assistindo a um vídeo de autópsias de cadáveres.
O rosto de um deles era o seu.
Sua barriga gelou. Passou a mão úmida pela cara e o que estava na tela voltou ao normal. Não era ela. Ainda estava viva. Tentou se reconectar ao Compasso de Urizen, mas seu acesso estava suspenso. Para o seu alívio, a mensagem dizia:
"Este é um bloqueio temporário, caso demonstre fazer por merecer."
Sorath tinha pleno acesso ao seu computador, isso era uma certeza. Em vez de passar um antivírus, iria tomar um café e voltar para o vídeo. Ou melhor, para a macumba cibernética.
Um dos rituais exigia como prática preliminar assistir com atenção a uma dezena de autópsias. Por isso estava vendo aquele vídeo. Faltavam cinco minutos. Precisaria recomeçar porque dormira e não prestara mais atenção desde a segunda hora. Provavelmente Sorath – ou algo ou alguém acima dele, um cachalote ou uma lula gigante, talvez pertencentes a um outro plano – saberia disso. O interfone tocou.
Precisou se levantar. Era um funcionário do Escroto, tão tosco quanto ele. Lá vinha encheção de saco! Mas fazia tempo mesmo que não atendia o celular nem respondia nenhuma mensagem.
Chegou a vez da campainha. Abriu a porta.
– Olha só, você tá viva! – O engravatadinho atarracado à sua frente tentou forçar a entrada. Lara não deixou. – O patrão já tava achando que você não fosse atender nunca mais!
– Tenho estado muito ocupada. – Lara fez cara de bunda.
– Ocupada com o quê? Não vai me deixar entrar? – Olhou à frente, na tentativa de discernir uma brecha para além do corpo de Lara. – Tá um lixo aí dentro!
– Eu me organizo na minha bagunça. O que você quer?
– O patrão quer te contratar pra um serviço, né? Só que pra um amigo dele.
– O que que é?
– É um lance lá de apostas esportivas. Você tem que dar um jeito de mexer no site pras apostas dos amigos do patrão serem certeiras, aí o sujeito vai ajudar a financiar a nossa campanha. Tem até um esquema com um jogador que prometeu que não vai fazer gol por umas duas rodadas.
Entregou uma pasta para Lara. Apesar de tudo, ainda precisava sobreviver. Tinha renda para só mais um mês, então a apanhou.
– Beleza, eu faço. Mais alguma coisa?
– Não vai me deixar entrar mesmo?
Bateu a porta na cara do homem. Observou a pasta por um segundo e jogou-a no sofá.
Mexeria nela depois, porque tinha outras coisas que estava mais a fim de fazer no momento.