Era uma discípula habilidosa.
Sua área de trabalho apresentava agora, a depender do dia e da hora, um assistente virtual distinto. Eram 72 ao todo. Tinham os nomes e as aparências dos lendários daemons da Goécia salomônica. Obedeciam-na conforme os dias e horários nos quais aqueles espíritos supostamente agiam.
Clicou em Orobas. O cavalo demoníaco relinchou e dançou na tela.
Clicou na janela em que precisava entrar, com o endereço do site de apostas esportivas de seu cliente. O cavalo invadiu o perfil dele e, liberando um misto de risadas e relinchos, alterou as apostas para que todas resultassem em vitória.
O Goetrix, ainda em seu protótipo, era um aplicativo incrível. Era possível, além de utilizar os assistentes em diferentes missões na Deep Web e na Dark Web, conversar com eles. Configurara-os para que suas personalidades batessem com as descrições dos antigos grimórios. E como demônios que eram, ainda que do mundo virtual, só deixavam de agir, e apenas então o programa era fechado, por meio de uma oração de exorcismo ou banimento. Caso ao menos uma palavra não fosse pronunciada ou digitada, tornavam-se vírus terríveis que primeiro bagunçavam e depois destruíam o computador, apagando todos os seus dados. Bizarro e insano? Talvez. Mas era divertido, sem nenhuma dúvida.
Desenvolvera-o em tempo recorde. Entre paralisias do sono e pesadelos, trocara o dia pela noite e, durante o dia, dormia no máximo duas ou três horas. Tinha perdido cinco quilos, estava mais pálida do que nunca, porém sentia orgulho de si mesma, sobretudo porque não atendia mais às ligações de Cassandra. Aliás, bloqueara seu número. Era um milagre que ela não tivesse reaparecido no prédio.
Espreguiçou-se. A parte chata do dia estava resolvida. Ou não. O telefone estava tocando e na tela apareceu Escroto.
– Tá resolvido – atendeu com toda a má vontade do mundo.
– Muito, muito bem, está cada vez melhor… – Era uma voz feminina, porém estranha… meio como as vozes geradas por IAs na Internet.
– O… oi?
– Sou uma discípula de Sorath.
– Ah…
– Hackeamos o seu telefone. Esperamos que não se incomode com isso.
– A essa altura, não me surpreendo e não me incomodo com mais nada. Apesar que o fórum não reabriu o meu acesso totalmente, mesmo depois que fiz o ritual.
– Mas você tem aguardado, pacientemente, pelo nosso novo contato.
– Tenho andado bem ocupada, graças ao ritual também. Então não posso dizer que estou frustrada.
– Sabemos disso. Você é muito habilidosa.
Na tela, Orobas deu outra de suas risadas mesclada a relincho.
– Por que você ligou e não Sorath? Quem é você?
– Pode me chamar de Durga. E você já deveria saber que Sorath é muito ocupado, muito mais do que você. Mas já estamos cientes que não vai pedir desculpas pela sua insolência. A sua personalidade já nos está clara e, apesar de tudo, aprendemos a apreciá-la.
– Estão querendo que eu faça mais alguma coisa?
– Acabei de reabrir o seu acesso irrestrito ao fórum e, como prometido, aos tópicos antes inacessíveis. Poderá divulgar por lá o seu magnífico aplicativo, mas que fique bem claro: ele ainda não é à prova de falhas. Você ainda não é a melhor.
A ligação caiu, e seguiu-se um relincho desesperado.
Na tela, a imagem da deusa hindu Durga, uma matadora de demônios, triunfava sobre Orobas, pisoteando-o até fazê-lo desaparecer.
A tela do computador apagou.