
O eco abafado dos golpes reverberava pela academia vazia. Tyler observava Daniella golpeando o saco de pancadas. Aos seus olhos treinados, cada movimento parecia preciso e letal. A perfeição técnica com que ela alternava entre socos diretos e chutes laterais o impressionava. Seu corpo fluÃa entre os golpes.
Viu o suor escorrer pela testa dela, mas percebeu que sua respiração permanecia controlada. Era isso que mais o impressionava, e assustava. A Daniella que ele conhecera anos atrás era uma menina boba e um tanto inocente, mas no tatame ela era impulsiva, até explosiva às vezes. Esta nova versão dela era como uma máquina calibrada para máxima eficiência.
Um gancho de direita particularmente forte fez o saco de pancadas estremecer nas correntes. Tyler lembrou-se de como havia visto homens três vezes maiores do que essa mulher usarem exatamente esse mesmo golpe em uma missão em Bangalore.
— Conseguiu descobrir o que aconteceu com a sua… — ele hesitou, evitando dizer “IA†— Mitra?
Daniella executou uma sequência de três chutes em nÃveis diferentes antes de responder. Gesticulou para que ele começasse a se movimentar.
— Checaram ela. — Ajustou os pesos nos pés. — Mitra está funcionando, mas pedi reforços antes de tentarmos de novo.
Um aceno de cabeça foi sua única resposta. Preparou-se para o ataque e tentou imitar os movimentos que ela havia acabado de lhe mostrar.
— Com relação à sua irmã, a equipe médica já está a caminho. — Daniella continuou, mantendo a voz baixa. — Ela será transferida hoje à noite, com nova identidade.
O corpo de Tyler congelou. Palavras não ditas se acumularam entre eles. Mas ele não pretendia voltar nesse assunto. Só precisava se acostumar com a ideia.
— Vamos, Tyler. — Ela abandonou as luvas e se aproximou dele, seu corpo ainda vibrando com energia contida. — Estou confiando minha vida a você. Por que não pode confiar sua irmã a mim? — Seus olhos se encontraram.
“Porque eu nem te conheço maisâ€, pensou.
— Estaremos em Londres em breve, longe daqui. Você não estará perto dela. Não seria melhor garantir que ela receba o melhor tratamento possÃvel?
Seus braços caÃram ao lado do corpo em derrota. Ainda imaginava o que seus pais pensariam dele.

Horas depois, no silêncio de seu apartamento, Daniella organizava metodicamente suas malas. Cada equipamento era verificado duas vezes antes de ser guardado em compartimentos especÃficos, sua mente já antecipando dezenas de cenários onde cada item poderia fazer a diferença entre sucesso e fracasso. Suas roupas ocupavam apenas um terço do espaço, o resto abrigando dispositivos camuflados como objetos comuns.
A lâmina disfarçada de caneta foi a primeira a ser checada. Daniella sorriu. Ainda sentia um prazer quase infantil com esses brinquedos tecnológicos. Dobrou o tecido de nanorrobôs. Um pensamento, e ele mudou de short para vestido ao comando mental. Algumas coisas nunca perdiam a graça, mesmo depois de anos fazendo isso.
— Você tem certeza que está pronta pra operar de novo?
— Não há necessidade de preocupação, — a voz digital de Mitra respondeu — Estou pronta para qualquer coisa que você venha a precisar.
— O que exatamente aconteceu com você?
— O criador não deseja compartilhar informações sensÃveis sobre a minha programação. Não insista naquilo que o seu nÃvel de acesso não permite.
— Terei que ter uma conversinha com ele, então.
— Ele está indisponÃvel no momento.
— Sim, ele nunca esteve disponÃvel. Até hoje não sei quem ele é.
— É para a sua própria segurança.
— É o que você vive dizendo, mas não sei como isso poderia ser arriscado para mim.
— O sistema invasor foi isolado e uma equipe foi designada para investigar o caso. Você só precisa focar em sua missão.
Daniella bufou, inconformada.
— Tudo bem, vou deixar isso pra lá. Tem notÃcias da equipe médica? — perguntou enquanto dobrava uma blusa de tecido especial, desenvolvida para resistir a impactos e regular temperatura.
— Eles acabaram de chegar à residência do Sr. Abracier — a voz suave de Mitra soou pelo ambiente. — Dra. Tassi está liderando pessoalmente a transferência. Lauren será movida para o laboratório em Chengde em aproximadamente duas horas.
Satisfeita com a eficiência, assentiu para si mesma. Enviou uma mensagem liberando Tyler pelo resto da noite. Sabia o quanto aquela despedida significava para ele, mesmo que seu segurança tentasse esconder.
— Prepare o ambiente de simulação — comandou, guardando o último dispositivo. — Cenário urbano, perseguição nÃvel avançado. Quero protocolos de evasão em área densamente povoada.
Colocou a tiara de interface neural, e Londres se materializou ao seu redor instantaneamente. Anos na Ordem a mantiveram longe, e precisava reaprender os novos padrões de tráfego e rotas de segurança.
Mitra já a esperava no banco do carona de um carro voador esportivo, sua forma holográfica nÃtida contra o painel que exibia métricas de voo em tempo real. Daniella observou as configurações atualizadas.
Uma hora se passara, mas Daniella ainda não estava cansada. Cada simulação exigia que ela aguçasse os seus reflexos e estratégia, seu corpo e mente trabalhando em perfeita sincronia enquanto ela calculava ângulos, antecipava movimentos e tomava decisões em frações de segundo.
— Pronta para mais uma rodada? — a IA personificada em uma mulher sorriu, os olhos brilhando com o desafio.
— Aumente a dificuldade em 15% — respondeu, sentindo uma onda de adrenalina começar a percorrer seu corpo. — E adicione mais variáveis climáticas dessa vez. Quero chuva, baixa visibilidade.
As próximas horas se passaram em uma sucessão de manobras e decisões tomadas em frações de segundo. Era seu ritual pré-missão: aguçar os sentidos, afinar os reflexos, preparar-se para qualquer contingência. Cada simulação era uma peça do quebra-cabeça, preparando-a para o que estava por vir.

Recadinho da Autora:
Olá amigos,
Alguém gostaria de ter os brinquedinhos da Daniella? Eu confesso que coloquei neste capÃtulo todos os meus sonhos de consumo futurista, desde os equipamentos até o simulador.
Já pensou que maravilha?Â
