
Daniella entrou no imenso escritório do pai, que ocupava todo o canto da cobertura do edifÃcio, e foi direto para a mesinha de café. A sala era uma fusão perfeita entre luxo hoteleiro e poder corporativo, exatamente o que se esperaria do homem que transformara uma única pousada à beira-mar em Isla del Canareos em uma rede internacional de luxo.
As paredes de madeira nobre exibiam uma coleção de arte que representava os destinos dos hotéis Star. Atrás da mesa de jacarandá, uma peça que supostamente pertencera a um maharaja, uma parede inteira mostrava miniaturas emolduradas das fachadas de seus hotéis, um arranjo que crescia a cada nova aquisição.
Próximo à entrada, destacava-se uma mesa de inspiração neodeco. Uma máquina de café italiana de cobre dividia espaço com um conjunto de porcelana da dinastia Ming — herança familiar que Dr. Orion usava diariamente, contrariando recomendações de preservação. Para ele, beleza sem função era desperdÃcio, uma filosofia que aplicava em seus hotéis.
Serviu-se na porcelana chinesa, tomou um gole e cuspiu logo em seguida.
— O que é isso, papai? — Daniella fez uma careta.
Dr. Orion deixou os ombros caÃrem, cansado, quando alguém bateu na porta. Com desânimo, atendeu.
Daniella reconheceu o homem com quem Gregori conversara no final da reunião. Alto, de postura impecável, vestia um terno bem passado que realçava os ombros largos e a silhueta contida e rÃgida. Os cabelos castanho-escuros estavam levemente bagunçados, como se ele aceitasse pequenas concessões ao caos em meio à disciplina evidente. Os óculos de realidade aumentada, indistinguÃveis de um modelo antigo somente para correção ocular exceto pela cintilação caracterÃstica de lentes inteligentes, reforçavam o olhar atento.
Havia algo naquele rosto sério e jovem, uma combinação desconcertante de precisão e vulnerabilidade, que Daniella não soube definir de imediato. Ele parecia o tipo de funcionário que levava o trabalho a sério demais para tirar os óculos do rosto, nem mesmo para circular pelos corredores. E, por um breve momento, ela se perguntou se aquele controle todo era tão firme quanto aparentava. Segurava um suporte com dois copos de café.
— Ora vejam só, Alex, que ótimo que você chegou — sua energia se renovou ao avistar seu menino de ouro. — Estava mesmo precisando desse café. — continuou, tomando um dos copos do homem.
— Com toda razão. — Daniella gesticulou dramaticamente. — Por que não se livra logo dessa pessoa que faz essa porcaria?
Ela encarou a mancha no chão com desdém.
— Você terá que chamar alguém para limpar essa bagunça. Desculpe, não queria sujar seu tapete africano, mas esse café é um lixo. — Ergueu uma sobrancelha. — Contrata as melhores empresas de serviços para o hotel e aceita isso no seu escritório? Uma senhora de cento e quarenta e quatro anos está fazendo o seu café, por um acaso?
— O que quer dizer com isso? Sua avó tem mais idade e está muito bem, passeando pelo mundo.
Daniella olhou para o homem que acabava de entrar com as bebidas de uma das cafeterias próximas ao prédio.
— Oh, que gentil, senhor Alex — Daniella repetiu o nome, estendendo uma mão ao segundo copo de café que ele portava. — Você não me disse que ele era tão prestativo, papai. — continuou, virando-se para Dr Orion — Se soubesse disso, teria economizado metade dos meus argumentos. — e, voltando-se novamente para Neo — Também cuida da lavanderia?
— Filha, Alexander não é meu assistente pessoal. Ele não traz café para mim porque é obrigado, nem porque é o trabalho dele. Ele faz isso porque quer. É zeloso e o trato como um filho.
— Hmm, então é por isso que Jasmin deixou o número dela no meu café e disse para nos vermos alguma noite dessas. — ela respondeu, lendo a mensagem no copo.
— Alex não sabia que você estaria aqui, Daniella. Esse era o café dele. Por favor, queira se comportar e parar de provocar nossos colaboradores.
— Você tem bom gosto, garoto. O que é isso? Canela?
Neo balbuciou, sem conseguir formar palavras. Ali estava ela, à sua frente. O tempo não havia apagado nada: só polido. Estava mais linda do que nunca. Sua blusa de seda abraçava o contorno dos seios, revelando sem vulgaridade suas curvas naturais, enquanto os cabelos castanhos claros encaracolados emolduravam seu rosto, caindo suavemente sobre os ombros. A saia alta revelava que Daniella não havia sido em momento algum negligente com seu corpo.
— Diga? — ela questionou quando percebeu seu olhar de admiração preso em suas feições de mulher adulta.
— Hmm… s-sim, canela. Eu acho.
— Não costumo beber café com canela, mas apreciei. Pode ficar com seu café, e com o número de Jasmin. Tenho certeza de que ela terá uma longa decepção, então, se eu fosse você, começaria a ligar imediatamente para ela e se desculpar pelo infortúnio. — empurrou o copo nas mãos de Neo, e caminhou de volta à mesa do pai.
— Desculpe, não acompanhei, Dani — o apelido de infância escapou de seus lábios, sem que ele percebesse.
Daniella parou repentinamente, como se tivesse dado de cara com uma parede invisÃvel. Olhou para baixo, e viu suas mãos cobertas de sangue. Sangue de alguém cujo rosto permanecia na sombra.
Piscou os olhos, voltando para a realidade, sua respiração acelerada. Girou sobre os saltos altos e encarou o estranho, fúria borbulhando dentro do peito. O olhar doce que Neo pensou ter visto antes desapareceu completamente. Agora, era tão afiado que Neo sentiu como se estivesse sendo dissecado.
— Senhorita del Rion para você. — ela levantou o queixo — Daniella del Rion Orion não dá intimidade para subalternos. Não se esqueça do seu lugar, senhor Alex.
Neo balançou a cabeça, confuso e abismado. Ela olhava para ele como se ele fosse um inseto sujo.
Dr. Orion tocou seu braço e inclinou a cabeça em direção à porta. Neo o seguiu para o corredor, ainda absorvendo as palavras de Daniella.
— Ela não o reconhece. Para ela, Alexander continua sendo um desconhecido. Foi por isso que o apresentei pelo nome do meio. Suas feições mudaram bastante, garoto. Se não se importa, prefiro mantê-la sem conhecimento desse detalhe por enquanto. Certo?
Ele assentiu, incapaz de entender o pedido do chefe, a boca ainda aberta.
A Daniella que vira ali era assustadora. A menina doce foi transformada em uma mulher fria e distante. Quanto mais tentava processar, mais sua mente repetia a mesma pergunta:
Ela realmente não me reconheceu?
O tempo havia mudado tanto seu rosto? Ou o trauma havia enterrado suas lembranças dele?
Recadinho da Autora:
Olá, amigos,
Desculpem a demora para lançar este capÃtulo. Esta semana foi tensa. Mas aqui estamos, com o prometido reencontro dos amigos de infância.
A pergunta que não quer calar: por que será que nossa menina não reconhece o nosso menino?
Eu não sei vocês, mas entre esses dois, eu fico do lado do Dr. Orion. Mais alguém percebeu que essa velha raposa está aprontando? Que história é essa de "esconda a sua identidade, meu jovem"? 👀
Se mais alguém estiver prevendo o caos, eu é que não vou mentir para vocês. O caos está armado. Mas calma, no próximo capÃtulo ainda teremos mais lenha na fogueira, porque nesta história não trabalhamos com economia de caos.
Nos vemos no próximo capÃtulo.
P.S.: Gostaria de agradecer ao Davi pelo termo "terno bem passado". Acho que vou ficar usando isso por um bom tempo.