Dr. Orion sabia que a única coisa necessária era dar tempo ao tempo. Naquela idade, o homem já tinha aprendido como conseguir tudo que desejava. Adorava ter sua filha por perto e saber que ela ainda era a mesma menina de sempre, que ainda ouvia seus conselhos mesmo que às vezes batesse o pé. A presença dela o fazia sentir-se jovem novamente.
— Obrigado, filha. Sinto-me muito mais tranquilo sabendo que é você quem vai lidar com essa situação. Confio no seu discernimento e, se precisar de algo, pode me ligar — disse Dr. Orion durante uma chamada ao receber a notÃcia de Daniella sobre a ida a Londres. — Gregori vai reservar o jato para vocês.
O holograma desapareceu após uma despedida carinhosa. Daniella olhou para o próprio pulso. Londres. Mais uma missão, mais uma peça no tabuleiro. Passou a mão pela lateral do blazer, alisando um vinco inexistente. Precisava começar o dia.
Ao abrir a porta, encontrou Tyler exatamente onde esperava: sua nova sombra, imóvel junto à porta.
— Há quanto tempo você está a� — perguntou, entrando novamente na casa e deixando a porta aberta.
— Desde as sete.
— Quer um café? Ãgua? Alguma coisa para comer? Vamos ter uma manhã intensa.
— Estou bem, senhorita. Obrigado.
Daniella colocou um pão e uma garrafa de café na bolsa. Ele poderia não querer agora, mas não sabiam quanto tempo levariam. Poderiam sentir fome mais tarde.
— Você está de carro? — perguntou, saindo à frente dele.
— Sim. Para onde deseja ir?
— Para sua casa, ou onde quer que você mantém sua irmã.
Ele parou na calçada abruptamente, a frase ecoando em sua mente.
— Senhorita, você não precisa ir lá. Não é apropriado. Se não acredita em mim, posso trazer os prontuários dela. — argumentou, voltando a sentir os movimentos do corpo, e se adiantando para entrar no carro.
Daniella expirou.
— Não tenho interesse em te atrapalhar, só não posso perder esse emprego — ela repetiu com ironia. — Quero ver como ela está. Saber o que fazer por ela e garantir que ela vai ficar bem, mesmo se você morrer.
As palavras sobre Lauren o atingiram. Seus dedos bateram no painel: três toques, pausa; dois toques, pausa. A mandÃbula se contraiu involuntariamente. O painel respondeu com um leve estalo, e o volante retrátil deslizou para fora.Â
— Mas…
— Ser meu segurança pode ser mais perigoso que suas missões anteriores. Você tem que fazer uma escolha. Se quiser trabalhar comigo, sua irmã não pode ser um problema.
Tyler apertava o volante.
— Vai sequestrar minha irmã?
— Se a vida da sua irmã estivesse em jogo, você não abriria mão da minha proteção para salvá-la?
Tyler deixou a cabeça cair no encosto e fechou os olhos.
— Então foi isso que aconteceu com você? — ele ponderou. — Um garoto te magoou e agora você não consegue confiar em mais ninguém?
Daniella fixou o olhar na janela. Neo. Sempre voltava a Neo. Já fazia tanto tempo que jogava xadrez com vidas alheias que nem sabia mais se sempre fora assim ou se aprendera a ser depois do ocorrido com Neo.
— Por que o que aconteceu comigo deveria importar para você? Estou te oferecendo uma oportunidade de ajudar a sua irmã a sair do estado em que ela se encontra.
Os ombros de Tyler curvaram-se, como sempre acontecia quando alguém mencionava uma cura para Lauren. Os dedos encontraram a cicatriz na palma da mão. A ideia de alguém mais ter controle sobre o destino da irmã o fazia querer recuar, mas a possibilidade de finalmente ajudá-la —essa era uma tentação grande demais para ignorar.
— Você pode ajudá-la?
— Preciso vê-la para te responder isso. Preciso entender o que aconteceu e até onde meus contatos conseguem chegar no caso dela.
Ele ficou em silêncio por um longo momento, as mãos inquietas no volante. Havia tanto tempo que ninguém mais oferecia esperança real. E se ela realmente pudesse? E se não pudesse? E se fosse mais uma promessa vazia?
— Por quê? Depois do que rolou com vocês na formatura…
— Você acha que eu guardaria rancor da Lauren?
— Eu não sei.
— Ela fez o Neo feliz, não fez?
— É só que… Você não me parece ser a mesma pessoa que eu conheci.
— Eu não sou a mesma pessoa que você conheceu. Pense que é caridade, pelo Neo, por você, pelo nosso passado, uma garantia pela minha vida, pense o que quiser. Não importa. Vamos.
A contra gosto, Tyler adicionou a rota no carro e rumou para sua residência. Ambos fizeram o trajeto em silêncio, presos em pensamentos sobre os próximos passos, sobre o que estava acontecendo e sobre todas as possibilidades futuras.
Ao chegarem, Daniella reconheceu o portão da casa de Tyler. Quantas vezes tinha passado por ali com Neo? Era como se o tempo não tivesse passado. Respirou fundo e passou pelo grande portão da garagem.
— Parece menor do que eu lembrava.
— Talvez porque você era menor também.
Daniella parou diante do canteiro no canto do jardim. Rosas. Antes eram orquÃdeas. Aproximou-se do canteiro e tocou em uma.
— Cuidado! — Tyler advertiu — Essas tem espinhos ainda.
— As orquÃdeas da sua mãe…
— Não consegui cuidar depois que ela morreu.
Daniella tocou uma das pétalas.
— Sua mãe sempre me oferecia limonada quando eu vinha aqui.
Tyler engoliu em seco. Fazia tempo que alguém falava sobre sua mãe de forma tão natural.
— Ela gostava de você. Dizia que você era… intensa.
— Intensa? — ela sorriu.
— Foram as palavras dela, não minhas. — Tyler levantou as mãos.
Ela assentiu ainda com um sorriso no rosto.
— Rosas são mais fáceis de cuidar?
— Gosto do cheiro das rosas. Talvez isso tenha sido motivação suficiente para me fazer passar por cima de qualquer dificuldade.
Ela confirmou com um aceno de cabeça.
— Eu também gosto — disse por fim, inspirando profundamente.
Tyler observou o movimento sutil, a forma como ela fechou os olhos por um instante. Claro que gostava, sempre fora o cheiro dela.
Daniella se levantou, ajeitou a saia e seguiu pela trilha conhecida até a porta. Mas, antes que desse três passos, a mão de Tyler tocou a sua gentilmente, fazendo-a virar e encará-lo. O toque durou apenas um segundo, mas uma onda de calor subiu pelo seu braço. Tyler pareceu igualmente surpreso com o próprio gesto, soltando-a rapidamente e escondendo as suas no bolso.
— Por aqui, senhorita. — Sua voz saiu mais rouca que o normal. Daniella confirmou, ainda sentindo o calor onde ele a tocara.
Por que estava se comportando assim? Aquele lugar mexia com ela.
— Depois que você se foi, meu pai fez uma obra nessa casa. Mudou a porta de entrada de lugar. O ambiente interno ficou mais bem dividido, e agora entra mais luz pela janela que ele colocou onde era a antiga porta. Daniella aquiesceu, ainda um pouco sem graça pelo toque. Tinha quase certeza de que suas bochechas brancas estavam coradas.
Recadinho da Autora:
Olá amigos,
Tudo bem com vocês?
Esse capÃtulo chegou com um gostinho de nostalgia, não é? Mas a pergunta que não quer calar: por que vocês acham que Daniella tem interesse em ajudar a Lauren? O que será que se passa na cabecinha dessa espiã?
Deem os seus pitacos. Será que ela quer uma garantia para a própria vida, ou será que tem algo por trás?
Quem aà confia na bondade da moça?