O dia tinha nascido há apenas duas horas, mas o estrago já estava feito. Em um mundo de protocolos inquebráveis, aquela notícia era uma afronta. E ela conhecia bem demais as regras para não reconhecer o cheiro do colapso.
A Sra. Xiao Kai comprimia os dedos sobre a mesa, suas unhas perfeitamente manicuradas contra a madeira nobre que flutuava. A respiração, antes controlada, começava a escapar em baforadas curtas enquanto seu autocontrole esvaía-se a cada palavra proferida pelos homens à sua frente.
Os seguranças enfileirados diante da mesa de mogno relatavam os acontecimentos da noite anterior. O chefe da equipe observava o anel de rubi que ela girava obsessivamente no dedo, temendo que a joia não sobrevivesse à fúria contida de sua empregadora. Faziam trinta minutos que tentava explicar como uma senhora aparentemente inofensiva havia transformado seu esquema de segurança em uma piada digna de histórias em quadrinhos.
O maxilar da Sra. Xiao travou.
— Deixe-me ver se entendi. — Seus dedos deslizaram pelo encosto da cadeira enquanto ela se erguia com a elegância de uma cobra prestes a dar o bote. — Uma septuagenária invadiu meu complexo fabril, roubou documentos sigilosos, e vocês… a perderam?
O jarro de planta cortou o ar como um projétil, errando por centímetros a cabeça do chefe de segurança. O som do cristal estilhaçando-se contra a parede reverberou pelo escritório. Junto à porta, a secretária recuou instintivamente, seus dedos tremendo ao buscar a maçaneta — em cinco anos, jamais vira sua chefe perder o controle daquela maneira. Escapuliu pela fresta da porta, deixando para trás o aroma de orquídeas misturado à tensão sufocante.
A silhueta das costas da Sra. Xiao recortava-se contra a janela do quadragésimo andar, seus ombros subindo e descendo em respirações pesadas.
— Expliquem-me — sibilou, cada palavra pingando veneno — como uma idosa simplesmente desaparece das câmeras? — Girou nos calcanhares, seus olhos negros fuzilando a equipe que mantinha as cabeças baixas. — Para que desperdiço uma fortuna com seus salários se qualquer servente consegue passar por vocês? Incompetentes!
— Senhora — O chefe de segurança umedeceu os lábios ressecados. — Ela não é… convencional. Nenhuma pessoa comum saltaria deste prédio ao adjacente.
— Ah, então sete ex-militares foram superados por uma acrobata geriátrica? — O sarcasmo gotejava de cada sílaba.
O homem curvou-se em noventa graus, braços rígidos ao lado do corpo. Um pedido mudo de perdão. Seus subordinados apressaram-se em imitá-lo.
— Perdoe-nos, senhora.
A Sra. Xiao deslizou de volta à sua cadeira, um sorriso gélido brincando em seus lábios vermelhos.
— Fascinante, não? — Seus dedos traçaram padrões invisíveis na mesa. — Como pessoas medíocres sempre encontram justificativas elaboradas para sua própria incompetência. — O sussurro carregava uma calma mais aterrorizante que seus gritos anteriores. — Suponho que seja o máximo que posso esperar de vocês.
— P-por favor, senhora. — O chefe de segurança passou um lenço pela testa brilhante de suor. — Conceda-me alguns dias. Eu a encontrarei.
— Dias? — A palavra deslizou por seus lábios com fúria.
O subordinado imediato remexeu-se inquieto, mordiscando o interior da bochecha enquanto ponderava se deveria compartilhar sua suspeita.
— Em questão de dias, ela pode vazar essas informações para qualquer um. Governo, imprensa, concorrentes… É isso que pretende permitir?
— Perdão, senhora. — O chefe engoliu em seco, o lenço agora uma bola úmida em seu punho cerrado.
— Senhora? — O imediato deu um passo à frente, ombros tensos. Uma sobrancelha perfeitamente delineada arqueou-se, autorizando-o a prosseguir. — As imagens que analisei… sua técnica… nenhuma empresa de segurança privada seria páreo para ela.
— Interessante teoria. — Inclinou-se para frente, dedos entrelaçados. — Especialmente vinda de alguém que nem conseguiu se aproximar dela.
— Vi algo assim antes, — disse o subordinado, hesitante. — Quando servi no Oriente Médio, ouvi falar de uma ordem antiga… Guerreiras treinadas em técnicas que desafiavam qualquer explicação lógica. — Ele fez uma pausa, olhando para as mãos trêmulas. — Mas isso foi há anos. Achei que fossem apenas histórias exageradas. Ela não é alguém que a segurança corporativa conseguiria deter.
Um riso seco escapou dos lábios da Sra. Xiao.
— Então não são incompetentes? Apenas enfrentaram uma lenda viva?
— Parece conveniente, reconheço. Mas se houvesse confronto direto, estaríamos mortos ou incapacitados. — Mordeu o canto da boca tentando disfarçar o seu nervosismo. — Além disso, essa ordem não mercantiliza informações. Seu objetivo é manter o equilíbrio mundial, não lucrar.
— Chega. — A palavra pairou no ar. Dispensou seus seguranças com um gesto dos dedos como se fossem moscas, enquanto recostava na cadeira, olhos fechados. Todo o dinheiro do mundo e ainda assim via-se cercada por idiotas.
Enquanto a fúria da Sra. Xiao Kai ecoava nas paredes de vidro do quadragésimo andar, treze quarteirões dali, outra peça do tabuleiro se movia silenciosamente em direção ao próximo passo.
⌖
No trajeto de volta para o hotel, uma mulher sentia seu relógio vibrando no pulso, uma mensagem do pai. Precisava estar sentada para digerir o conteúdo; subitamente, seus pensamentos voaram para longe, para outro país.
Caminhou até se deparar com o hotel, que se elevava majestoso contra o céu tempestuoso, uma marca familiar que poderia encontrar em qualquer parte do mundo. Cansada, atravessou o saguão com a intimidade de quem possui o lugar, acenando para funcionários que se curvavam respeitosamente. Seu jeans rasgado, tênis enlameado e coque desalinhado contrastavam com a opulência do ambiente, mas ela emanava uma confiança que dispensava protocolos.
A mochila preta pesava em seus ombros enquanto adentrava o elevador vazio rumo ao jardim do terraço. Liberou os cabelos do elástico, alongando o pescoço dolorido. A noite de aventuras cobrava seu preço, e tudo que desejava era submergir numa banheira perfumada com pétalas de rosa. Por ora, teria que se contentar com café. O elevador emitiu um apito quando chegou ao andar desejado. Ela inspirou o ar do ambiente vazio e caminhou para fora.
Depositou a mochila num dos bancos da área interna dos jardins e acendeu a lareira da sala de espera. Deu graças por não ter ninguém à sua volta. Consultou o relógio de pulso. Seu contato chegaria em breve. Ocultou um documento atrás do vaso de planta e dirigiu-se ao heliporto, cujo acesso ficava a uns dez passos dali.
O vento gélido do terraço açoitou seu rosto quando empurrou a porta que levava à área externa. Na beirada do heliporto no topo do Orion Star em Wuhan, as rajadas de vento brincavam com seus cabelos, clareando seus pensamentos.
Nuvens pesadas prometiam chuva, mas sua mente vagava por outras paisagens. Justo agora que começava a sentir-se em casa na Ásia, a mensagem do pai surgia como um chamado impossível de ignorar.
“Não pediria seu retorno àquela ilha se não fosse crucial, minha filha. Esta situação exige alguém de absoluta confiança, e você é a única com as qualificações necessárias. Os números estão inconsistentes, e antigos aliados parecem comprometidos. Além do mais… sinto sua falta. Venha ver seu velho pai.”
A mensagem o pintava como um pai abandonado, embora trocassem holochamadas mensalmente. Ele acompanhava mais sua vida que seu último namorado. Na semana anterior, inclusive, havia insistido para que ela fechasse uma negociação nos Emirados.
— Escondendo-se nas alturas? — A voz de Liu Yu atravessou o rugido do vento; o esforço que fez em seus pulmões para chamar a atenção da garota rivalizou com o primeiro trovão. Ela voltou-se para seu parceiro de Sanda, que a observava da porta. — Ou está com medo do nosso treino de hoje?
Um meio sorriso curvou seus lábios. O júnior brincava com fogo ao provocá-la, especialmente quando a raiva pela partida iminente começava a ferver sob sua pele.
— Você parece pronto para herdar este hotel quando eu partir. — Bagunçou os cabelos dele com falsa casualidade.
— Já planeja me abandonar? Nem tive chance de me declarar ainda. — Ela cruzou a porta que ele mantinha aberta. — Não ouviu o alerta? Previsão de chuva ácida, baixa intensidade. Entre logo. O que fazia lá fora?
— Refletindo. — Seus olhos percorreram o horizonte uma última vez. — É mais fácil pensar quando se está no topo do mundo.
Outro trovão sacudiu os vidros do The Orion Star. Daniella sorriu; a tempestade lá fora espelhava o caos que Isla del Canareos sempre provocava em seu interior. Certas lembranças eram desagradáveis demais para serem desenterradas.
— Vá na frente. Te encontro lá, preciso terminar uma coisa aqui. — Indicou a direção do elevador para seu amigo. O jovem concordou prontamente e a deixou sozinha na varanda do terraço.
Abrindo calmamente a mochila enquanto observava a lareira, ela extraiu um por um os itens jogando-os no fogo: a peruca grisalha, as roupas de faxineira e a máscara de idosa. Um sorriso divertido dançou em seus lábios ao recordar os seguranças, tão solícitos em aceitar balinhas de uma senhora trabalhadora. Homens! Sempre tão previsíveis.