
Dr. Orion caminhou até a entrada da academia com passos firmes, mas Daniella percebeu como ele ajustava a postura ao se aproximar da porta de vidro. Fazia anos que não dividiam uma atividade assim.
— Lembra quando assistÃamos aos campeonatos no escritório? — ele perguntou, empurrando a porta. — Você tinha oito anos e narrava todos os golpes.
— E você fingia que entendia de jiu-jitsu — Daniella respondeu com um meio sorriso.
— Tive que aprender. Você começou a se interessar por tudo, meus conhecimentos não eram mais suficientes.
O ar frio bateu no rosto de Daniella assim que entraram, trazendo cheiro de couro novo e metal dos painéis holográficos que piscavam nas paredes. Dr. Orion parou ao lado dela, observando os pôsteres virtuais de campeonatos que mudavam a cada poucos segundos.
— Investimento considerável — murmurou Daniella, calculando mentalmente o custo da instalação. — Para uma ilha que desse tamanho, eles não economizaram.
— É o que parece. Equipamento de primeira linha — Dr. Orion concordou, com a aprovação discreta de quem reconhece qualidade. — Mesmo padrão que uso nos spas. — Um bipe eletrônico ecoou quando passaram por um sensor de movimento. A música ambiente misturava-se ao zunido constante da ventilação.
Daniella se aproximou do octógono central, testando o piso com os dedos. A superfÃcie cedeu levemente sob a pressão.
— Politec Flex — Dr. Orion comentou, caminhando ao lado dela. — Adapta a densidade conforme o impacto.
— Conhece a tecnologia? — Daniella pressionou o punho fechado com mais força, sentindo o material ajustar-se.
— Instalei o mesmo na academia do Star de Cingapura. Custou uma fortuna, mas a durabilidade compensa o investimento. — Ela assentiu, observando a grade metálica que cercava o espaço. Dentro do octógono, alguns lutadores treinavam, seus movimentos precisos ecoando ritmados.
Neo e Tyler seguiam pai e filha à distância suficiente para que a sua conversa fosse particular. Neo ouviu o impacto abafado de um soco do outro lado da sala — o som seco de punho contra alvo, seguido pelo brilho esverdeado de números flutuando no ar antes de se dissiparem.
Em um canto, numa seção com espelhos e monitores ajudava os lutadores a corrigirem a postura e praticarem movimentos repetidamente para aprimorar a técnica. Tyler começou um aquecimento nessa área enquanto conversava com Neo.
— Cuidado para não machucá-la. Dr. Orion não vai te perdoar se ela sair daqui com um arranhão sequer — alertou Neo, ajudando-o no alongamento.
— Dr. Orion, é? — Tyler arqueou uma sobrancelha. — Então não é você que está preocupado, claro. — Riu, sarcástico. — Por que ela não sabe quem você é? Que palhaçada é essa que vocês criaram?
— Ele pediu para não dizer — Neo respirou profundamente, indicando Dr. Orion com um aceno de cabeça. Daniella deixava o pai em uma das cadeiras e seguia para o banheiro. Seus olhos seguiram os passos de Daniella pelo corredor. — Acho que ela não me perdoou. Ele quer que ela volte para Londres e trabalhe comigo. Se ela souber quem eu sou, pode acabar indo embora sem avisar ninguém, como fez da última vez.
— Não acha que eventualmente ela vai descobrir? Alguém pode te chamar por Neo, ou ela pode se lembrar do seu nome completo.
— Eu não costumava usar Alexander quando éramos jovens. Ela não está acostumada com meu nome do meio. Além disso, as pessoas aqui me chamam de Alex. Não é fácil fazer essa conexão depois de tanto tempo sem nos vermos.
Ao lado da área de treino funcional, com cordas de escalada e pesos, acompanhados por drones que flutuavam ao redor do atleta, estava o corredor do banheiro. Daniella emergiu do vestiário movendo-se com desenvoltura natural, com um material de polÃmero reforçado com fibras elásticas que se moldavam ao corpo sem restringir seus movimentos.
Liu havia conseguido esse traje em Israel; era resistente a rasgos e escoriações, projetado para combate intenso e para suportar golpes e quedas. Enquanto ajustava as luvas de combate abertas nos dedos, sorriu ao lembrar-se da expressão do amigo ao presenteá-la com aquela maravilha da engenharia têxtil.
“Para a melhor lutadora que conheçoâ€, ele havia dito, “algo que aguente o seu ritmoâ€.
Dr. Orion contemplava os espelhos onde projeções holográficas simulavam oponentes. Lutadores treinavam contra campeões virtuais, ajustando táticas em tempo real.
— Desde quando você conhece esse lugar? — perguntou, admirado com toda a organização tecnológica que via na academia. Mesmo morando há anos em Isla del Canareos se surpreendia com os bairros novos. Não tinha o costume de sair do centro financeiro para os bairros mais afastados da cidade. Era sempre uma surpresa boa quando percebia o quanto a ilha vinha se desenvolvendo nos últimos anos com novos empreendimentos.
— Foi uma surpresa para mim também. Só reservei o local para treino, não imaginava que fosse tão bem equipado neste lugar isolado — respondeu ela, colocando sua mochila em um dos assentos. — Por que não começa a treinar aqui? Passear um pouco pode te fazer bem.
— Se o senhor quiser companhia, poderia exigir que Alex viesse como seu parceiro. Ele mora aqui do lado — sugeriu Tyler, aproximando-se deles.
Alex balançou a cabeça em negação.
Dr. Orion riu, já sabendo que o rapaz não era do tipo que lutava. No máximo fazia musculação na academia do hotel e uma corrida à noite ou muito antes do sol nascer e, mesmo assim, não era dos mais dedicados. Fazia menos de uma hora por dia de treino apenas porque não queria perder massa muscular e desembolsar dinheiro para tratamento de sedentários. Uma pilula de desenvolvedor muscular custava uma fortuna.
— Deixe o Alex em paz, Tyler. Vá, ganhe da minha filha. É uma ordem, eu o quero como segurança dela — incentivou Dr. Orion.
Daniella entrou no ringue primeiro, aproveitando para se alongar e aquecer. Neo tamborilava os dedos no braço cruzado, extasiado com cada movimento dela. Suspirou. Suas mãos começaram a suar, reconhecendo que seu coração ainda batia por ela. Quando Tyler e Daniella se posicionaram, ambos pulavam ritmicamente no mesmo lugar, sem ataques diretos, apenas se estudando, analisando a postura e os movimentos um do outro, sabendo que qualquer erro poderia definir o combate. Dessa vez, Tyler estava perto o suficiente para sentir que ela cheirava a rosas, como antigamente.
Ele desferiu o primeiro soco, mas para surpresa de Daniella, o amigo parecia contido. A garota parou de pular e começou a desviar sem fazer muito esforço. Ele estava lento, lutando como uma criança.
— O que está fazendo? — questionou, começando a se irritar.
— O que quer dizer? — ele retrucou, diminuindo mais ainda o ritmo dos seus movimentos.
— Vai pegar leve comigo? — provocou ela entre golpes sem movimentar-se, sua respiração controlada.
Tyler desviou de um chute.
— Não quero machucá-la.
— Medo do meu pai? — outro golpe cortou o ar — Ou de apanhar de uma mulher?
O rosto de Tyler endureceu. Bloqueou um soco.
Poucas foram as vezes que tiveram que lutar no passado, durante o treino, e todas as vezes Tyler se sentiu incomodado. Mesmo que fosse perfeitamente capaz de controlar sua força, preferia ceder a vitória.
— Você sabe que se eu ganhar ele vai te demitir, não é? Você nunca lutou com uma garota depois de adulto? É por isso que está me subestimando?
— Eu nunca bati em uma civil. E não vou bater. Seu pai só quer um show, não me importo de encenar uma brincadeira com a filha do meu chefe.
— Seu emprego não é motivo suficiente? — ela apontou todas as aberturas que via na defesa dele e como poderia derrubá-lo antes mesmo que ele percebesse.
Tyler sentiu um arrepio percorrer sua espinha; ela tinha percebido muito em pouquÃssimo tempo. Começou a repassar mentalmente tudo que sabia sobre ela depois que foi embora. Não era muito. Seria possÃvel que ela pudesse realmente vencê-lo? A ameaça começou a deixá-lo nervoso; tinha um motivo muito forte, e não podia perder esse emprego. Respirou fundo e voltou a se concentrar. Hesitou após um golpe contido, mas algo no olhar dela o perturbou. Não era o olhar tÃpico de alguém que só treinava por hobby. Havia ali uma calma calculada, quase predatória, que fez sua experiência militar soar um alerta.
Conforme trocavam golpes, a sensação crescia: seus instintos de soldado reconheciam um igual, talvez até um superior. A relutância inicial transformou-se em concentração profissional. Isto não era mais uma simulação com a filha do chefe, era um combate real.
— Me desculpe, não vou pegar leve com você — decidiu.
Recadinho da Autora:
Olá, amigos.
Acho que o Tyler esqueceu com quem estava lidando, né?
Qual vocês acham que é o motivo mais forte para o Tyler não poder perder esse emprego, além do óbvio, claro, os boletos?
Vocês acham que o Tyler ainda tem alguma chance como segurança dela ou já perdeu o cargo antes mesmo da luta começar?
Nos vemos no próximo capÃtulo, com muita violência!