Daniella queria ter acordado cedo nos últimos dias para treinar, mas ainda sofria com jet lag. Antes de sair da China, solicitou o aluguel de um apartamento em Isla del Canareos, especificando que precisava que fosse relativamente próximo ao hotel. A última coisa que desejava na vida era morar no Orion Star dessa ilha — não só por causa de sua última memória no local, mas principalmente pelo fato de ter vivido toda sua infância e adolescência naquele lugar.
Apesar de ter crescido numa suíte luxuosa com sala de estar e área de jantar, Daniella ansiava pela simplicidade de um lar comum. O constante movimento de desconhecidos pelo hotel e a ausência de almoços familiares a incomodavam profundamente. Seu pai mergulhava no trabalho enquanto sua avó viajava o mundo durante a sua adolescência. Anos depois, quando finalmente pôde desfrutar da simplicidade de uma cozinha própria, Daniella compreendeu a profunda solidão que marcara sua infância.
O conforto despretensioso de uma residência regular oferecia o que o hotel, com seu fluxo constante de estranhos, nunca proporcionou: a chance de criar raízes próprias.
Mordendo distraidamente um pedaço de pão, Daniella consultou o holograma que piscava em seu relógio.
— E sobre a academia? — perguntou, tentando reorganizar sua rotina.
— Consegui reservar uma a cinco quilômetros daqui. Você tem até às quatro da tarde para se dirigir ao local. Eles enfatizaram que, em caso de não comparecimento, o valor da reserva não será devolvido.
A jovem revirou os olhos.
— Não acho que me fará falta, mas não se preocupe. Eu vou treinar hoje, Mitra. Obrigada.
— Estou às ordens.
Daniella não fazia ideia, mas ao lado dessa academia morava seu amigo de infância, e naquela noite ele mal conseguiu dormir — fechava os olhos e acordava logo em seguida, revivendo o encontro inesperado.
A apresentação não havia sido um completo desastre, Neo reconhecia isso; considerando as circunstâncias inesperadas, ele fizera o melhor possível. Por muito pouco não perdeu tudo que havia construído durante todos esses anos. Após vê-la, começou a palestra gaguejando e pediu alguns minutos extras para se concentrar. Houveram dois momentos em que sua mente ficou completamente em branco com as perguntas da plateia.
Por sorte, o coordenador do projeto enviou a técnica de programação genética em seu auxílio. Marissa, com sua calma metódica e voz quase mecânica, complementou a apresentação nos momentos em que Neo perdia o fio da meada. Não esperava que rever uma mulher após tantos anos pudesse desestabilizá-lo dessa forma.
Caminhando calmamente pela rua nos dias seguintes àquele fiasco profissional, Neo tentava recuperar seu equilíbrio emocional. Comprou o café dele e de seu chefe em uma cafeteria - era um segredo entre os dois. Dr. Orion mantinha sua preferência pelo café da rede comercial nas manhãs. Segundo ele, começar bem o dia era essencial para todos. Contraditoriamente, mesmo com serviços superiores em seu próprio hotel, o café preparado no escritório sempre perturbava seu estômago.
Neo, depois que se formou em botânica e fez MBA em gestão hoteleira, começou a trabalhar com o pai de Daniella.
Duas vezes por ano, ele ensaiava perguntas sobre Daniella. E duas vezes por ano, enquanto revisava matrizes holográficas com Dr. Orion, as palavras permaneciam presas em sua garganta.
Uma vez, há três anos, mencionou casualmente "sua filha" durante uma reunião estratégica. O leve brilho âmbar nas lentes de realidade aumentada do Dr. Orion cintilou por um segundo antes que ele erguesse os olhos. O olhar gélido atravessou a mesa, congelando a sala inteira.
A pergunta morreu antes mesmo de ser formulada, e o silêncio que se seguiu ergueu um muro invisível entre eles por semanas. Neo aprendeu a lição: o nome Daniella era proibido e ninguém ousava proferir, mesmo quando o próprio Dr. Orion deixava um holoframe antigo com a imagem dela na formatura escondido na estante do escritório.
Por fim, Neo concluiu que Dr. Orion sabia que Daniella não desejava qualquer contato com seu antigo amigo. Respeitou os limites estabelecidos, considerando a oportunidade única de trabalhar com um gigante do ramo hoteleiro logo após sua formatura. Sua mãe insistia que conquistar Dr. Orion como mentor abriria portas importantes, enquanto o salário financiava suas pesquisas em genética durante o mestrado e doutorado.
"Não se pode enfrentar um gigante pelo calcanhar se você mal consegue ver seus pés," era o que sua mãe repetia sobre a indústria de revestimentos especiais. Antes de falecer, ela havia gravado em Neo o tamanho do risco: os bilhões anuais que esses conglomerados lucravam com as chuvas ácidas os tornavam adversários dispostos a silenciar qualquer ameaça. Esta pesquisa, talvez sua única chance de honrar o legado materno, precisava avançar com extrema cautela.
— Alex! — chamou a barista com um sorriso malicioso. — Tem meu número também no copo, caso você queira fazer algo um dia desses.
Ele retribuiu com um sorriso gentil. Sorria apenas porque quando chegava à cafeteria atrasado, ela já tinha seu pedido em mãos sem que precisasse enfrentar fila. Era necessário manter a diplomacia nesse ramo até com as pessoas que o auxiliavam a servir o café para seu chefe.
Piscou um olho e a mulher abriu um largo sorriso, como se fosse tudo que ela queria — o suficiente por hoje. E honestamente era o que ele estava disposto a dar: apenas um agradecimento cordial. Até hoje não sabia seu nome. Ela já lhe contara inúmeras vezes, mas sua mente sempre vagava para longe durante aquelas conversas enquanto a barista preparava seu pedido.
Ao entrar no escritório naquele dia, sentiu o ambiente carregado. Os cochichos cortavam o recinto como interferências de rádio mal sintonizado — nem o suave zumbido dos comunicadores holográficos nem o fluxo silencioso de dados nas interfaces transparentes conseguiam disfarçar a atmosfera tensa.
— Ouvi dizer que ela é perversa. Parece que criou confusão até com um príncipe árabe — comentou uma das funcionárias com outra por cima da baia no momento em que Neo saiu do elevador.
— Meus contatos na Ásia a chamam de "Câncer do Star". A equipe dela é a que mais sofre. Dizem que alguns não tiram férias há anos, e que ela não respeita os horários de trabalho de ninguém — a mulher olhava na direção da sala de reuniões onde Dr. Orion conversava com sua filha.
— E age sem qualquer recato. Dizem que uma camareira levou toalhas extras para três homens que passaram a noite com ela durante sua estadia na Coreia. Lá, comportamentos assim são escandalosos. Parece que até o diretor da unidade coreana enviou uma queixa formal ao patrão.
— Essas pessoas ricas pensam que podem fazer o que quiserem no país dos outros.
— Pois é, tem lugares em que as leis são mais severas. Queria só ver se ela fosse presa por desrespeito — Neo ouvia atentamente enquanto observava Gregori saindo da sala com outros executivos.
— Ora, ela já foi presa, não sabia? Uma vez fez topless numa praia onde nudez era proibida. Saiu no jornal e tudo, lá na França. Foi um vexame.
Neo sentiu uma fúria crescente tomar conta de seu corpo. Seus dedos se contraíram involuntariamente enquanto as lembranças da Daniella de sua infância invadiram sua mente — ela ajudando uma criança que caíra no parque, cobrindo um pássaro ferido com seu casaco durante uma tempestade, lembranças que contrastavam com aquelas acusações absurdas.
A ideia de que pudessem falar assim dela, sem qualquer pudor ou prova, despertou nele uma raiva que há anos não sentia. Respirou fundo, tentando manter a compostura profissional que tanto se esforçara para construir, mas sua voz saiu mais ríspida do que intencionara.
— Você tem essa matéria? — interrompeu, dirigindo-se a uma das senhoras que fofocava entre as baias.
— Como disse?
— Mostre-me esse jornal — insistiu ele. — Porque já investiguei rumores semelhantes antes e examinei cada arquivo digital disponível sem encontrar vestígio algum dessa suposta manchete — aproximou-se, colocando as mãos nos bolsos. — Sabe, senhora Raina, difamação é crime aqui em Isla del Canareos, e vocês deveriam refletir sobre o quão poderosa é essa família para conseguir um bom advogado e tirar o dinheiro suado de um empregado que fala demais e rompe várias cláusulas do contrato de trabalho.
— Não, doutor, você entendeu errado! Não estávamos falando de ninguém da família do Dr. Orion, não. Longe de mim cometer uma traição dessas. Estávamos falando de uma conhecida minha que não mora mais aqui na ilha.
Enquanto Daniella e Dr. Orion saíam da sala de reuniões, o assistente acenou para Neo se aproximar.
— O chefe vai para a sala dele, está te esperando lá. Boa sorte, Alexander — Gregori, com seu eterno ar de conspirador e olhos que não perdiam um detalhe, deu dois tapinhas em suas costas antes de assumir uma postura severa. Virou-se para as mulheres com quem Alex conversava há pouco. — Raina, na minha sala, por favor.
Até Gregori achava que ele precisava de sorte ao encarar a filha do seu chefe. Ficou curioso para entender por que ela estava com a fama de uma pessoa insuportável. Todas as suas memórias eram de uma pessoa educada, polida e querida.
Bateu na porta. Entrou assim que Dr. Orion abriu - ele não costumava fazer isso. Por algum motivo, estava próximo à porta.
— Ora vejam só, Alex, que ótimo que você chegou. Estava mesmo precisando desse café hoje.
Recadinho da Autora:
Olá, amigos! Hoje, este recadinho vem em formato de agradecimento. Princesinha do Papai ganhou o destaque da semana lá no Inkspired e, ontem (24/04/2025), descobri que estamos em TERCEIRO lugar no ranking de ficção científica e em SEGUNDO lugar no ranking futurista no Inkspired! 💫 E, obviamente, isso tudo é graças a vocês, que leem, comentam e apoiam.
Muito obrigada por tornar isso realidade! 💖
E vamos tornar isso realidade aqui no Wattpad também!!!
Espero, de coração, que estejam curtindo essa história. Saber que ela está ganhando espaço me motiva todos os dias.
Agora que os agradecimentos foram feitos... vem aí um spoiler leve:
No próximo capítulo, esses dois finalmente vão se encontrar. 👀
E eu adoraria ouvir a teoria de vocês sobre como será esse encontro! Deixa aqui nos comentários o que você acha que vai acontecer. 👇