Neo sentava no topo do Orion Star de Isla del Canareos com sua melhor amiga. Era a visão mais deslumbrante que podia contemplar: o vento agitava os cabelos castanhos ondulados dela, fazendo-os dançar no ar. As linhas de seu rosto delicado capturavam os últimos raios solares, enquanto o céu se transformava num gradiente de laranja e rosa.
— Existe algum lugar no mundo com um pôr do sol mais bonito do que o daqui? — ela admirava o horizonte, seus pés balançando na beirada do heliponto. Seus olhos fixaram em uma estrela solitária que despontava no céu à medida que respirava fundo, absorvendo a leveza do vento.
Neo permaneceu em silêncio, hipnotizado pelos traços do perfil do rosto dela, até que a imagem começou a se dissipar em uma neblina espessa. Estendeu as mãos para alcançá-la, mas ela já havia desaparecido.
Despertou de mais um sonho com Daniella, o peito apertado e a mente ainda presa ao passado. Suas lembranças de infância insistiam em atormentá-lo mesmo depois de tantos anos. Fitou o teto do quarto, pensativo. Onde estaria ela agora? Contemplaria o pôr do sol na companhia de alguém?
A última vez que a viu foi naquela noite fatídica quando tudo deu errado. No dia seguinte, esperou-a no caminho para sua aula de piano, em vão. Questionou todos sobre seu paradeiro, mas os funcionários do hotel sempre desviavam o assunto no momento em que mencionava o nome dela. Quando sua paciência se esgotou, arrombou a porta da suíte onde ela morava com um chute que extravasava toda a sua frustração e raiva acumuladas dos dias em que recebia respostas evasivas sobre o paradeiro de sua melhor amiga.
Pétalas de rosas murchas cobriam o chão. O quarto exalava um odor peculiar de ambiente fechado e decomposição. Aparentemente, Daniella não retornara após seu encontro no dia da formatura, e a equipe do hotel recebera ordens de não tocar nos pertences abandonados.
Sobre a cama, encontrou morangos deteriorados e chocolate semi-derretido. A garrafa de champanhe, exposta ao sol que entrava pela janela, certamente estava arruinada.
No banheiro, sobre o tapete branco felpudo, jazia a lingerie roxa que ela planejara usar para ele. Algumas coisas, almofadas, objetos pessoais pareciam ter sido jogados no chão.
A culpa queimava dentro dele, obstruindo sua garganta. Como pôde não perceber antes que ela o escolhera? Como pôde deixar escapar a única pessoa que realmente via quem ele era, só porque nunca ousou acreditar que pudesse ser amado por ela? E agora, tudo o que lhe restava era aquele pedaço de tecido — testemunha muda da noite que não chegou a acontecer.
Reconhecia seu cansaço de ser somente o melhor amigo. Cada vez que admirava aqueles olhos grandes e expressivos, desejava tomar seus lábios para si, como qualquer adolescente consumido por desejos que não sabia nomear. Mas Daniella sempre fora doce e afetuosa. "Ela é assim com todo mundo", dizia a si mesmo sempre que observava os sorrisos que ela distribuía pela ilha. Ele era um jovem inseguro naquela época.
Agora, ao recordar seu comportamento perto dela, quase ria de si mesmo.
Um suspiro pesaroso escapou-lhe. Não podia deixar aquele sonho dominar sua mente — não na ocasião em que, enfim, mostraria ao mundo o que passou anos construindo.
As estufas dos jardins do terraço dos Hotéis Orion Star representavam seu projeto mais ambicioso e fonte de maior orgulho. Naquele dia, ele não falaria apenas de números. Apresentaria o sonho de uma década — um mundo mais limpo, mais verde — e esperava que enxergassem isso nos dados e em seus olhos.
Era uma ideia ridicularizada no início. Agora, prestes a expandi-la globalmente, ele sabia que revolucionária era pouco para descrevê-la. Enquanto o mundo se sufocava, ele passara a juventude entre fórmulas e estufas. Quando as chuvas ácidas se tornaram mais frequentes, o mundo enfim começou a prestar atenção ao que ele tinha para dizer.
Levantou-se, renovando sua determinação. O peso da lembrança ainda o envolvia, mas um banho quente e um café da manhã substancial o ajudariam a enfrentar o dia que prometia ser decisivo.
A água batia em suas costas, relaxando seus músculos. O vapor dominava o ambiente, embaçando o vidro do box e abafando pensamentos. Ao passo em que ela escorria, levava consigo o peso do passado, ele se concentrava no que viria.
Enumerava mentalmente cada passo que precisava cumprir para garantir o sucesso da apresentação. Demorou-se apoiando a mão na parede de olhos fechados, tentando organizar os pensamentos — mas o sorriso dela insistia em voltar. Ainda que distante, ela continuava a ser o ponto de calma em sua mente inquieta.
Quando estava pronto, desligou a água devagar, pegou uma toalha e saiu. Em seu quarto, abriu o armário em busca do terno ideal. Precisava de algo que transmitisse tanto inteligência quanto confiabilidade aos acionistas. Deslizava as mãos pelos trajes quando avistou ao fundo um pacote transparente contendo um tecido roxo dobrado. Ao abri-lo, deparou-se com o corpete encontrado no quarto de Daniella. Não sabia explicar porque conservara aquilo que ela nunca chegou a usar. Talvez guardasse o tecido roxo como guardava a esperança — de que um dia ela voltasse para buscá-lo, se soubesse que ele ainda a esperava.
Não era o tipo de pensamento que deveria ter naquele momento, mas algo nele estremecia. Quem seria ela agora? E quem teria ele se tornado aos olhos dela?
Guardou a lingerie e vestiu uma camisa social branca, preparando-se para o dia. Trancou a casa, levando consigo apenas os documentos — e a ausência dela.
No hotel, a equipe preparava a sala de conferência. O sucesso na ilha seria o empurrão que faltava para abrir caminho em Londres, e ele ansiava por deixar aquela ilha definitivamente. O dia passou sem que percebesse e, à tarde, já estava pronto para vencer.
Dr. Orion ocupava seu lugar habitual, próximo ao palco, na primeira fileira da plateia, cercado por sua usual corte de aduladores – políticos, empresários e parceiros do conglomerado hoteleiro. Era típico dele apostar alto, e fazer o mundo acreditar que era ele quem definia o que era futuro.
— Dez minutos para começar, Alex. — O jovem assistente aproximou-se com o microfone. — Precisa de ajuda para ajustá-lo?
Confirmou. Ao final da instalação do equipamento, realizou seu ritual de preparação: aquecimento vocal e pequenos saltos para aliviar a tensão. Ao voltar-se para começar, avistou Dr. Orion abraçando uma mulher elegante.
Surpreendeu-se com a nova companheira dele – cabelos longos e ondulados cascateando pelas costas, silhueta bem delineada pela saia justa, pernas torneadas realçadas pelos saltos altos. Fazia anos desde seu último relacionamento conhecido. O sorriso radiante do Dr. Orion evidenciava sua felicidade enquanto beijava gentilmente o rosto dela.
Um arrepio percorreu-lhe a espinha antes mesmo que seu cérebro processasse. Quando a mulher virou-se de lado, jogando os cabelos para trás, seu olhar nublou. Piscou intensamente, ajustando a visão, no mesmo momento em que seu coração falhou. Cambaleou. Apoiou-se na parede, suas pernas cedendo até deslizar ao chão.
A mente recusava aceitar. Mas o corpo já reconhecia. O mundo inteiro parecia se calar para dar espaço ao nome que quase pronunciou em voz alta.
Aquele perfil era inconfundível. Ela havia retornado.
Recadinho da Autora:
O que você faria se reencontrasse alguém que sempre amou e nunca conseguiu esquecer... no momento mais importante da sua vida?