Aquela espelunca estava infestada de baratas. Acabara de pisar na terceira ou quarta. Detestava aquelas criaturas ainda mais do que os demônios. Melhor seria ver um rato. Estes, quando os achava, apanhava-os e acariciava-os. Esmagava-os apenas se tentavam mordê-lo e apreciava o estalar dos ossos que se partiam. Então se apressava para lavar os dedos sujos de sangue.
O rangido da cadeira em que estava sentado um pouco lhe lembrava o guincho desesperado dos roedores. A bem da verdade, toda aquela hospedaria feita de madeira velha rangia e estalava como ossos que preferiria esmagar ou mesmo queimar. Mas pelo menos a mesa parecia ser de bom carvalho.
Esticou a mão e apanhou a jarra cheia de vinho, que tinha um sabor amadeirado, porém seu estômago se contorceu porque outra barata se aproximava de seus pés. Desferiu-lhe uma rápida mirada lateral e consumou uma nova execução sumária à luz de um par de lamparinas de argila, mergulhando a seguir em um lago de náuseas que tinha sede em sua barriga. Levantou-se curvo, mas endireitou-se e foi até a latrina, que fedia a mijo podre. A palha estava salpicada de fezes ressecadas. Subiu-lhe à boca a ânsia de vômito. Mas apesar dos murmúrios das entranhas, nada saiu. Deu um suspiro e voltou à cadeira, sentando-se outra vez. Cruzou os braços e ergueu a cabeça.
Aguardava pelo administrador do vilarejo. Quanto tempo ainda demoraria?
Alguém bateu à porta.
– Pode entrar. Está aberta – falou com a voz grave. Sabia que ninguém teria coragem de entrar sem autorização.
– Aqui estou, meu senhor. Vim para trazer sua recompensa. – O preboste chegava sorridente, porém se esquecera de algo.
– Feche a porta.
– Ah, sim! Sim, meu senhor... – Fechou a porta atrás de si, com um leve tremor na mão, e seu sorriso se desvaneceu. – Aqui está. – Acercou-se com um odre de pele tintinante de moedas. Depositou-o sobre a mesa agora com a mão firme. – Espero que seja do agrado do senhor.
– Não se esqueça que não há razão para me agradar, pois a recompensa não é para mim. É para a santa Igreja, que me encarregou de purificar este vilarejo.
– É verdade! Perdão, meu senhor! Compreendo… Mil perdões se sou ignorante e por vezes me expresso mal, ainda que tenha sido eu mesmo a enviar o pedido para a vinda de um cruzado a esta aldeia. É que pensei que ao menos uma parcela ficaria com o senhor.
– Não. A arrecadação dos cruzados é entregue em sua totalidade à Igreja. Para que depois, ao final de cada mês, retiremos os soldos necessários para a manutenção de nossas armas e armaduras, para adquirir novas roupas se preciso e para nos alimentarmos.
– A propósito disso, o senhor não gostaria de comer algo? Soube que ainda não pediu nada, talvez por receio do que possa ser servido em um local tão humilde, à parte o vinho que lhe mandamos assim que soubemos em qual quarto o senhor se achava. Poderia lhe providenciar algo de boa qualidade.
– Obrigado, mas nós cruzados só precisamos de uma pequena refeição a cada sete ou oito dias e comi anteontem. Em vez disso, gostaria de lhe pedir um único favor. Que nada tem a ver com comida nem com dinheiro.
– Que favor? – O preboste franziu o cenho.
– Algum problema?
– N… não, meu s… senhor! Não! – gaguejou. – Claro que não! Pode pedir o que bem desejar.
– Que fique bem claro: isso deverá ficar entre nós dois. Além da terceira pessoa que será envolvida. Caso abra a sua boca, voltarei a este povoado o quanto antes apenas para cortar sua língua e depois sua garganta.
– Mas o que de tão terrível um homem tão virtuoso quanto o senhor poderia me pedir? – O ancião arregalou os olhos. – Afinal, não há nada que os olhos do bom Deus não vejam!
– De qualquer modo, nunca mencione o que vou lhe pedir a mais ninguém. Muito menos a sacerdotes e a outros cruzados.
– Mas o que seria?
– Quero que me traga uma mulher. Que seja viúva e que tenha sido mãe. Não darei mais detalhes.
– Uma mulher? Mas os senhores… Como posso trazê-la?
– Não julgue o que não pode ver. Não tire conclusões precipitadas.
– Ah… Agora entendo! Irá fazer a generosidade de eliminar os maus espíritos que às vezes assolam essas pobres mulheres! – Um lampejo de esperança reluziu no sorriso falhado do velho. – Mas não será então um favor feito por mim, e sim mais um favor do senhor prestado à nossa comunidade!
– Traga-a logo. Minha intenção é ir embora ao nascer do Sol.
– Farei isso, não se preocupe! Mas, antes de ir, gostaria de saber o nome do senhor. Para que todos nesta aldeia fiquem a par, e não seja jamais esquecido. Ou é tão discreto que sequer seu nome pode nos divulgar?
– Eu me chamo Sigmund.
– Obrigado por tudo, senhor Sigmund.
O ancião fez uma reverência e saiu a passos atropelados.
Sozinho, o guerreiro passou as mãos pelo rosto e pelos cabelos. "Já não estou aguentando mais." Apoiou os cotovelos sobre a mesa. "Meus olhos estão começando a ficar secos." Era uma necessidade. E por isso considerava que não fosse pecado. "Pecar é exceder-se. Perder o controle na exacerbação dos prazeres dos sentidos. O que não é o meu caso. Eu preciso! Caso contrário, terei sonhos pecaminosos e não conseguirei repousar, atormentado pelos demônios que matei e que começam a se aproximar. Não tenho medo, mas quero preservar minha sanidade e minha paz de espírito. Toda vez que mato, é a mesma coisa." A cada missão que cumpria, sentia algo mais do que uma simples ânsia nas partes baixas. Tratava-se de um volume que borbulhava e depois ardia. Precisava jogá-lo para fora o quanto antes ou as sensações de ardor e queimação se espalhavam por todo o corpo. Chegavam à cabeça e aos olhos. Um frêmito de angústia e prazer ansiado, que não conseguia aplacar de outra forma, visto que deixara de praticar o onanismo desde seus primeiros tempos como cruzado. Não apenas por considerá-lo um pecado, um excesso dos sentidos, uma falta de autocontrole, mas também porque, nas ocasiões em que tentara levar adiante um ato do tipo, as piores recordações do passado haviam-lhe vindo à mente e não pudera se abrandar, pelo contrário: as imagens das pessoas tinham se transformado em demônios aterradores, que queimavam seus órgãos genitais e interrompiam a ereção com dor. Menos mal que, ao verificar depois, nada fora danificado. Um alívio saber que o fogo permanecera em outro plano da existência. E quando estava com uma mulher, todo esse sofrimento não ocorria.
Mas por que uma viúva e mãe?
– Aqui está, meu senhor. Ela também expressou interesse em agradecê-lo. – O velho a trouxe.
– Obrigado, senhor preboste. – O cavaleiro acenou com a cabeça. – Já pode se retirar. – Apesar das palavras polidas, fulminou o ancião com o olhar para que este saísse o mais rápido possível. A muito custo continha seu fogo interno.
– Sim, meu senhor… e nós é que agradecemos! – Amedrontado por aquela expressão, o idoso saiu tremendo um pouco, como se tivesse sido chamuscado.
A sós com a mulher, Sigmund se voltou em sua direção. Seus cabelos, em parte cobertos por um lenço, um pouco lembravam palha, e seu olhar era assustadiço. Mal conseguia encarar o cruzado, que indicou, com um gesto de mão, a outra cadeira do aposento:
– Por gentileza, sente-se.
– O que deseja de mim, meu senhor? – Ela expandiu os olhos ao indagar, mas obedeceu. – Posso fazer tudo o que for da sua vontade. E estou disposta a colaborar também caso algo precise ser feito em mim. – Pousou as mãos sobre os joelhos.
Usava um vestido remendado em verde e amarelo e, com cerca de quarenta anos, tinha a pele bronzeada e o nariz chato.
– É muito bom ouvir palavras como as suas. – Dono de uma beleza angelical, sorria pela primeira vez desde que chegara ao povoado e apresentava um porte imponente, digno de um guardião dos portões do Éden, mesmo sem os trajes de batalha, vestindo agora uma túnica vermelha e dourada de mangas compridas que lhe alcançava os joelhos, suas pernas recobertas por uma calça branca e larga.
Contudo, havia em seu sorriso algo não condizente com o que deveria ser sua natureza.
– Tem quantos filhos? Algum menino? – emendou duas perguntas.
– Um rapaz e uma menina. – "Confio nele. É um homem virtuoso, capaz de exterminar demônios!"
– Um casal. Muito bonito isso. Saiba que admiro profundamente a maternidade. – Assumiu uma expressão afável. – E gostaria de ter tido uma irmã.
– Uma pena que não tenha tido.
– Sequer pai tive. Meu único pai é Deus.
– Admira-me sua fé, meu senhor. Embora lamente que não tenha conhecido seu pai terreno.
Ele se levantou.
– Não há o que lamentar. – Erguendo uma mão, fez um gesto com os dedos juntos para que ela, hesitante, ficasse onde estava. Aproximou-se por trás e apoiou ambas as mãos em seus ombros. – Há muito tempo que não recebe os carinhos de um homem? – Pôs-se a massageá-los.
– Meu senhor? – Arregalou mais os olhos, voltou-se para trás e deu de cara com um semblante malicioso, que não teve forças para deixar de fitar.
Era como se fosse capaz de hipnotizá-la com um mero lampejo de sua vontade.
– Seu marido partiu há quanto tempo?
– Dois anos.
– É um bom tempo. – Retirou o lenço que lhe cobria a cabeça e pôs-se a acariciar os cabelos ásperos. – Tempo suficiente para que qualquer ser humano enlouqueça.
– O que está dizendo, bom cavaleiro? – Abaixou a cabeça. Sua voz saía mais fraca.
– Nada de mais. Assim como não há nada de mais em brincar com nossos sentidos quando somos tementes a Deus. – Tirou as mãos dos ombros dela e começou a se despir, primeiro de sua túnica e na sequência da camisa que vestia por baixo.
– Mas… meu senhor! – Negou-se a olhar para o corpo daquele homem, um guerreiro investido pela Igreja, membro de uma Ordem sagrada. Tampou o rosto com as mãos. – Como podemos ser tementes a Deus se caímos no pecado da carne?
– Cairíamos no pecado se a senhora ainda fosse casada.
– Mas o senhor não deveria ser casto?
– Apenas não posso cometer excessos. Sou um homem de carne e ossos. E como tal às vezes preciso de alguém que aqueça a minha pele. – "É verdade! As mãos dele são muito frias!"
Não tardou para não resistir mais e deslocar devagar as mãos da frente dos olhos. Virou-se outra vez, para fitar com discrição aquele torso nu masculino, musculoso e liso, exceto por um detalhe: a cicatriz da cruz em sua pele, que, ao que tudo indicava, fora feita por um ferro quente.
Seus olhos fugiram para o umbigo do cruce signatus.
– Mas a Igreja não o proíbe? E as leis da Igreja não são as leis de Deus? – Tornou a se voltar para o lado oposto, como se adiantasse de algo, e juntou as mãos.
– A Igreja representa Deus, mas não é Deus. A alma da nossa Igreja é a menos imperfeita que existe neste mundo, mas ainda assim possui falhas, pois é coordenada pelos homens. – Foi para a frente da viúva, que, um tanto curvada, depôs as mãos nos joelhos outra vez. Encarou-o com temor. – Existe um motivo bem preciso que nos obriga a sermos celibatários, que nada tem a ver com a determinação de Deus, que apenas pretende que não sejamos escravos dos sentidos, que Ele nos concedeu para que fossem nossos servos.
– E qual seria esse motivo?
– Se padres tivessem filhos, como ficariam as questões envolvendo heranças? E nós cruzados, embora não sejamos sacerdotes ou diáconos, afinal não ministramos sacramentos, pertencemos a uma Ordem da Igreja, assim como os membros das ordens monásticas, e também residimos em terras e moradas que não são nossas.
– Eu não entendo bem. Mas se é o que o senhor diz...
– Sei que é difícil. Mas não precisa entender nada, na verdade. – Era hora de tirar a calça; soltou os cordões que a prendiam à braga.
– Não, meu senhor, por favor! Por que eu? Não tenho nada de excepcional!
– Você é mãe. – Assim que ficou nu, Sigmund levou a mão direita ao queixo dela, espremeu-o e beijou-a. – Não gema. – Fitou-a com seriedade. Algumas lágrimas desciam. Enxugou-as com seus próprios dedos. Lambeu-os um por um. Antes de tocar os seios.
Ela passou a ofegar, ainda que feito um ratinho. O que não esperava era ver uma sombra assustadora nas costas do guerreiro: pertencia a uma criatura rubra e encurvada, de chifres que nasciam na fronte, percorriam o dorso e se espalhavam para a cauda; estava de cabeça baixa.
Contudo, levantou-a, revelando um abominável rosto de barba e queixo vermelhos.
– Não grite! – O cruzado escancarou os olhos e fulminou-a com severidade ao ela ameaçar soltar um berro, tapando-lhe a boca com a mão pesada. – Se fizer isso que está pensando, precisarei cortar a sua garganta. Não se esqueça: nada do que aconteceu aqui aconteceu realmente. Nada! Nunca se esqueça disso! Ou terei que voltar aqui algum dia só para matá-la. – As lágrimas se misturaram ao suor; e desta vez ele não deu importância ao choro: pegou-a em seus braços e arremessou-a na cama, onde se atirou para despi-la e possuí-la. – Não tenha medo. – Mas a criatura cínica continuava ali, às suas costas. Era perceptível apenas para a pobre mulher, que fechou os olhos e nem assim deixou de vê-la.
– Senhor… meu Senhor!
– Fique quieta.
Ela silenciou, mordendo o lábio.
A penetração era rápida e Sigmund experimentava uma intensa sensibilidade em seu membro. Por fim iria se aliviar.
"Como pode? Um homem de Deus fazendo isso comigo, e ainda tendo um demônio às suas costas? Isto não deveria estar acontecendo. E ele é tão belo!… Tudo o que está acontecendo não deve passar da minha imaginação! Pequei, desejei. E acabei criando essa monstruosidade! É um castigo, é isso o que é. Se está ocorrendo de verdade, Deus está usando esse homem como um instrumento para me punir pela minha perversão! Não soube respeitar a memória do meu marido e estou sendo justamente castigada. Esse demônio que vejo é meu e não dele. Está sendo retirado de mim. É isso!" Uma onda de prazer reverberou por seu corpo, e desmaiou.
Ao recuperar os sentidos, esfregou os olhos. Sentia como se houvesse neles grãos de areia ou poeira.
"Foi um mau sonho. Isso mesmo! Tudo não passou de um devaneio. Ou será que se tratou de um castigo divino pela minha luxúria? Pode ser que uma coisa derive da outra, invadida que fui pelas imagens dos íncubos. O que quer que tenha sido, ele me ajudou! Até se passou por um monstro ou fez com que eu o confundisse com um. Preciso agradecer!" Estava outra vez vestida, ainda na cama do quarto na hospedaria, Sigmund sentado próximo à mesa, já com suas vestimentas de cavaleiro, apenas sem o capacete.
– Obrigada por tudo, meu senhor. Serei sempre grata...
– Saia. – Ele olhava para a porta.
– Peço perdão por qualquer mal-entendido.
– Não me peça perdão. Saia e jamais conte a ninguém o que ocorreu aqui.
– Não posso nem mesmo dizer que o senhor me ajudou?
– Se pensa assim, de qualquer forma não é necessário. Irão querer saber detalhes. Diga que tivemos apenas uma simples entrevista e que oramos juntos.
– Está bem, meu senhor. – Ela se levantou, cambaleante; estava toda dolorida. O íncubo tentara violá-la, e poderia até tê-la devorado, mas o bravo guerreiro da cruz, apenas com seu poder espiritual, impedira-o a tempo. Não eram assim tão raros os pesadelos que se materializavam como carne sangrante. – Obrigada mais uma vez. – Quanto mais se aproximava da porta, mais seus passos recobravam estabilidade.
– Vá. – Passou a olhar para o chão.
"Por que não salientei mais uma vez que se abrir a boca terei de matá-la?" Perguntou-se depois que ela já partira.
Respirou fundo, cerrou os olhos e bateu forte com a mão direita, fechada, bem no meio do peito.
Permaneceu ali, sem reabri-los e sem sair do lugar nem mudar de posição, até o amanhecer.
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