Sob o pôr do sol, um enorme cavaleiro de tez negra e barba espessa, revestido por uma armadura cor de ébano e empunhando uma maça condizente, repleta de espigões, observava a agitação que tomara conta da aldeia onde chegara.
O conde local, Pedro, o Moralista, descera de sua carruagem bufando, com o látego em punho, para chicotear uma célebre adúltera. Fora apelidada de Messalina dos Cancelos e se dizia que vagava entre os vilarejos da região do Poço do Canto, em Portugal, em busca de aventuras amorosas, conquanto fosse esposa do barbeiro-cirurgião Hermes de Passos, que era querido pelos camponeses e tido como valioso pelo senhor do lugar, pois, diferente da maioria de seus colegas de profissão – e não que fossem muitos nos arredores; existiam mais dois –, conseguia, às vezes, não amputar membros de pacientes que pareciam fadados à mutilação.
Bruno, que era um cruzado, preferiu desviar seu olhar do conde Pedro, enquanto este surrava a mulher em frente à Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Cancelos de Baixo, direcionando-o para o Sol. No fogo que descia, queimava a expectativa de um castigo maior e verdadeiro.
"Se todos os pecados fossem tão insignificantes, Deus não precisaria de nós. Mas enquanto a humanidade for bruta e os demônios refinados, não haverá escapatória." Atirou sua maça, para o espanto dos curiosos que acompanhavam o espancamento. Mesmo o conde parou.
A mulher, encolhida no chão e com as mãos sobre o rosto, despida e cheia de marcas, ofegante, ainda não conseguia suspirar aliviada.
Um velhinho, cuja têmpora a arma roçara, por pouco não perdeu os sentidos.
A cabeça de um garoto de cerca de dez anos, que despencou com os miolos expostos, fora atingida em cheio.
– Mas o que esse cruzado fez? Terá ficado louco? – inquiriu uma senhora. – Não o chamamos para que matasse crianças! É ou não um guerreiro abençoado por nosso Senhor Jesus Cristo?
Bruno ignorou aquela gente e trotou até o cadáver. Então desceu do cavalo.
– Não pense que me engana com esse teatro. – Recuperou sua maça e falou sem cerimônia. – Sei que ainda não está morto. – Voltou à montaria, impondo-se sobre suas bufadas e relinchos estridentes.
A cabeça, sorrindo enquanto puxava o que saíra de dentro de si, se reconstituiu. As pessoas ao redor gritaram e se puseram em fuga, uma poeira vermelha se espalhando pelo ar.
O conde Pedro, sem armadura, vestido com uma camisa de linho e uma calça bufante, seguia paralisado, o látego na mão direita trêmula, e não percebeu que a messalina se levantara para lhe desferir um chute no meio das pernas antes de correr para longe, mesmo muito machucada, tirando proveito da confusão.
A criatura se reergueu, o rosto do menino foi se deformando e o devorador de crianças se tornou evidente. Saltou para morder o pescoço de Bruno.
Um golpe irradiante, dado no centro do pequeno corpo, enquanto cingia as rédeas do cavalo com a outra mão, bastou para que não só a cabeça como o resto explodisse.
No semblante do etíope, não havia o menor sinal de compaixão. "Desapareça para sempre. Nem as chamas do Inferno o receberão mais."
Estava terminado. O cruzado, contudo, sentiu que era observado por um olhar distinto.
Em suas costas, nem um demônio nem um ser humano comum: Pedro, o Moralista, escapara às pressas em sua carruagem, tão dolorido quão apavorado, e mais ninguém se achava ali, a não ser o cruzado sobre sua montaria e uma mulher a pé. Ele sabia muito bem que tipo de pessoa ela era. O cavalo voltou a se agitar.
– O meu ódio é dirigido contra os demônios. – Bruno o conteve, outra vez segurando com firmeza suas rédeas. – Como você é humana, eu a perdoo em nome de Deus por qualquer coisa que faça, a não ser que conjure criaturas das trevas. É isso o que faz?
– Pelo contrário. Vim até aqui para ajudar a pobre gente deste lugar. – Usava um capote escuro, o que dificultava a visão de seu rosto.
– Ajudar em que sentido? Caso se trate de eliminar demônios, desculpe-me, mas quem faz esse trabalho somos nós, cruzados.
– Senti duas presenças sobrenaturais por aqui. E a maior ainda não se foi...
– Impossível. Não há mais demônio algum nesta região. Você se equivocou, bruxa. Talvez se refira à sua própria presença.
– Claro que não. Presta tanta atenção aos demônios que está se esquecendo de mais alguém, meu caro. – Removeu o capuz e revelou o rosto de suave curvatura à altura do queixo, deixando escapar um sorriso um tanto sarcástico sem abrir a boca, apenas puxando o lábio para um lado. – Desde quando os cruzados são seres naturais? E não são apenas os demônios a representarem perigo para as pessoas comuns.
– Teoricamente, deveria ao menos arrastá-la comigo para um dos tribunais da Santa Inquisição.
– E por que não tenta? – Provocou-o, jogando para trás os cabelos castanhos longos e lisos.
Bruno não pareceu afetado. Uma raiva e um ódio tremendos irradiavam de seu interior, como que rasgando seu peito, que com frequência chegava a doer; seus músculos torácicos se contraíam. Eram, no entanto, dirigidos a algo muito maior. As bruxas lhe inspiravam até uma certa indiferença, a não ser que fosse comprovado que se dedicassem à magia negra, e aquela não parecia ser uma devota dos demônios, ou ao menos disfarçava bem.
Os magos, ao contrário, só de pensar neles ateava chamas em seu coração; tinha sérias dificuldades para exercer sua fúria contra mulheres.
– Sou uma feiticeira, como vocês costumam dizer. – Sua interlocutora fixou nele seus olhos cor de mel. – Mereço a fogueira.
– Não, não a merece. Até veio aqui para tentar ajudar. – Restituiu à cintura sua maça, que não apresentava mais rastros de sangue, assim como todo o pó se esvaíra do ar.
– Posso ter mentido. – Encarava-o com um ar benevolente.
– Abusa da minha paciência e é confiante demais. Mas senti que foi sincera.
– Podemos ser muito habilidosas ao escondermos nossas intenções. Não desconfia mesmo de mim? – Fez uma careta ao franzir a testa.
– O sangue de Cristo teria reagido e ardido em meu corpo se fosse uma seguidora de Satanás.
– Não tenho mesmo nada que ver com esse aí. Você venceu. O meu nome é Gabriela. Prazer.
– Não vou dizer o meu nome. Sinta-se grata pelo fato de eu ter lhe permitido que continue livre. – Piscou por um instante e ela desaparecera.
"Fez bom uso do meu gesto." Olhou para os lados e não havia nada nem ninguém. "Muito bem, bruxa. Mas cuidado, nem todos os cruzados são como eu. Se algum dia cruzar com Gilles ou Edgar, estará perdida", e sem perder mais tempo, deixou a aldeia, sem fome nem sede, impossível a gula, ainda que seu sangue estivesse insatisfeito.
No alto da capela, perto do sino, Gabriela o observava ir embora.
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