Bento acordou com o barulho do carro do irmão mais velho partindo. Esperou que Samuel viesse buscá-lo como no dia anterior, mas nada aconteceu.Â
Teve a primeira noite boa de sono desde muito tempo. Não acordou nenhuma vez, não tinha mais tantas câimbras e o enjoo diminuÃa a cada dia.Â
Estava um pouco barulhento, mas não incomodava tanto. Se quisesse melhorar essa era uma das coisas que teria que aprender a lidar, além de muitas outras que surgiriam. No momento se sentia capaz de enfrentar tudo o que viesse. Era bom se sentir inteiro outra vez.Â
Tinha sonhado e fazia tempo que não sonhava. Para ele queria dizer que a desintoxicação havia acabado e era senhor de sua cabeça novamente. Era gostoso e assustador ao mesmo tempo. Â
O sonho era o mesmo de sempre, ainda se lembrava bem dele pois era recorrente quando era pequeno.Â
Havia variações, a conversa era sempre diferente, só o cenário e a personagem é que continuavam intactos.Â
Uma moça loira, cabelos em ondas douradas um pouco mais claros que os dele quando usava o rabo de cavalo na adolescência. Os olhos eram tão azuis quanto os dele, o que fez com que acreditasse por um tempo que era uma projeção de uma lembrança que tinha da mãe biológica. Será que alguém conseguia se lembrar de algo que tinha visto algumas vezes quando tinha menos de três meses de vida?Â
Achava que não e ainda assim sabia que não tinha criado aquela moça em sua cabeça, a imagem vinha de algum lugar.Â
Naquela noite, no sonho, ela tinha dito que tinha orgulho dele, que a espera deles terminaria e ele seria o grande herói de todo um povo.Â
Sonho bom, mas só isso. Bento não achava que seria herói de coisa alguma, se conseguisse se manter longe de problemas e ser uma boa pessoa dali em diante já estaria satisfeito. Só não queria mais sentir que era um peso.Â
Andava pensando que pediria ajuda aos irmãos para encontrar um trabalho, algo que o deixasse ocupado e estafado o suficiente para que não sobrasse tempo de pensar besteira ou se incomodar com o barulho. Queria caminhar com as próprias pernas agora.Â
Levantou-se, tomou banho, juntou a roupa que precisava ser lava e decidiu que aquele dia seria útil. A moça estava orgulhosa dele, por quê? Não tinha motivo! Mas ele se sentiria orgulhoso de si mesmo.Â