A risada boba demonstrava que ela não tinha a menor ideia do que tinha feito. Se corresse ainda teria tempo...Deus! Por favor, faça com que dê tempo e nunca mais reclamo de nada, nunca mais te peço nada!Â
—A quanto tempo ele está lá?Â
Diana não respondeu. Segurou Alexandre pela mão e o guiou delicadamente de volta para o sofá, onde estavam antes. Â
—Relaxa. A foto acabou de chegar, alguns minutos no máximo. Nós fizemos um garoto incrÃvel e ele vai ficar bem. Â
Alexandre estudou o rosto da mulher ao seu lado. Com a droga em seu organismo começando a perder efeito, ainda não conseguia ler ou ouvir o que tinha no universo estranho que era a cabeça de Diana, mas sua percepção já começava a clarear. Era capaz de violências elegantes e tinha milhares de pessoas como Bruno dispostas a realizar o que ferisse a sensibilidade de sua protegida, mas ela não arriscaria sua única moeda de troca assim de graça, então não deveria saber o tamanho da merda que tinha feito.Â
—Como fez ele entrar lá? Bento não saiu da minha casa por vontade própria, disso eu tenho certeza!Â
—Não, ele até resistiu bastante. Ele é forte e não queria te decepcionar. Eu tive que ser bastante persistente. Ainda bem que dei um nome a ele...Â
Um nome! A caixa que havia visto trancada quando procurava ajudar o filho com o vÃcio e para a qual não dera importância. O nome que deveria protegê-lo de domÃnios externos e que Diana não se importava de usar para fazer com que entrasse na névoa.Â
Era praticamente impossÃvel dar um nome particular a um bebê no mundo em que estavam. Em casa, antigamente, as mães eram separadas em quartos ou em cavernas, as mulheres que auxiliavam na chegada da nova vida sabiam que não podiam pronunciar palavra alguma, teriam que se comunicar por olhares. Muitas dessas parteiras eram caçadoras no inÃcio dos tempos. A primeira palavra que a crianças ouviria seria dita em seu ouvido pela mãe, um segredo que partilhariam apenas entre eles até o fim dos dias.Â
Diana devia ter tido um esforço descomunal para que Bento recebesse um nome particular. Teria de ter feito o trabalho todo sozinha, nada de hospitais ou doulas. Isso mostrava duas coisas sobre ela. Era dona de uma força de espÃrito muito acima do esperado e não tinha a menor noção de como as coisas deveriam funcionar, mesmo aquelas que valorizava.Â
—Diana, Vamos buscar nosso garoto!Â
—Quando a barreira cair, nós o encontraremos. Até lá você devia me conhecer melhor. Quando você for o Senhor e eu sua rainha, seria interessante se você já tivesse percebido que também sou o que você estava esperando.Â
—Tá, me conta no caminho.Â
Sentado ao lado de Diana no banco de trás de um utilitário dirigido por Bruno que ia auxiliado por outro dos que a moça chamava de pássaros, ia dividido entre os arrependimentos de nunca ter mostrado a seus meninos a canção do desesperado e a curiosidade que sentia a respeito da mulher ao seu lado.Â
A forma como ela falava, as certezas que tinha... Agora, mais senhor de si, conseguia ultrapassar sutilmente os muros que ela tinha construÃdo com tanto cuidado ao longo da vida sem que ela desse conta da sua presença. Â
Por algum tempo se distraiu olhando pela janela, tentando ver além da bagunça da cabeça dela. Quando afastou o olhar da janela encontrou os olhos dela pregados em seu rosto, enormes, ansiosos.Â
—Eu não acredito que realmente vai acontecer...só isso.Â
Alexandre respirou fundo, aquilo tinha muito aspecto de alguém em surto psicótico que tinha inventado um sonho sem sentido e agora acreditava nele.Â
—Você já esteve lá? Já atravessou a névoa?Â
—Eu fui como estrangeira numa festa.Â
Uma sombra passou pelo olhar dela e não se demorou o suficiente para que pudesse saber seu motivo.Â
—Acho que você não o mandaria para lá se soubesse de verdade como é... Eu me lembro exatamente da sensação, não sei se é algo que se pode esquecer. Os que não conseguiram atravessar ainda gritam, você fica sozinho com o pior que existe em você. É muito fácil desistir e se você parar, nem que seja um minuto para descansar, pode estar perdido. Eu acho que do seu jeito, você se importa com ele. Por isso imaginei que não sabia o que significava fazer o caminho do desesperado. Eu nunca disse a nenhum deles as regras... espero que ele não desistaÂ
—Eu posso fazer com que se mantenha em movimento...Â
—Não pode. Eu também não posso falar com ele. Uma vez dento da névoa Bento está completamente só. Você pode ter matado seu filho para abrir uma porta para um monte de desconhecido, espero que valha a pena para você!Â
—Quando você derrubar a barreira ele vai estar livre...não é?Â
—Não sei. E não sei se posso derrubar a barreira...Â
—Você é um porteiro e descendente do povo antigo claro que...Â
—Isso não importa nem um pouco. Quando a primeira rainha criou a barreira, foi necessário um grande sacrifÃcio. Ela mesma. A névoa foi criada com a vida dela, a mesma coisa seria necessária para derrubá-la, um auto sacrifÃcio voluntário e desejado e mesmo assim não há garantias. Nunca foi feito entende.Â
—Qualquer pessoa de sangue antigo serve...Â
—Em tese sim, mas criar e destruir esse tipo de barreira é um poder que só é concedido ao Senhor no dia de sua coroação. Você está me pedindo para tomar esse poder da minha mãe e em seguida me atirar voluntariamente na fogueira das almas. Notou que essa conta não tem como fechar?Â
—Você não vai se atirar em lugar nenhum, eu não permitiria! Já disse que nós vamos reinar juntos...Â
—Por que essa parte é tão importante para você? O que importa não é você levar os seus...Pássaros para o outro lado? Então tanto faz...Â
—Abrir a passagem para meus meninos voltarem para casa é importante, mas ficar com você também é... Eu amo você.Â
—Como? Você nem me conhece...Â
—Conheço sim! Desde que te encontrei segui te observando. Não é difÃcil gostar de você...o modo como você cuida das pessoas que ama... Eu mereço ser cuidada dessa maneira. Por isso te escolhi, não tem outro! Meu lugar é do seu lado, e você vai perceber que o seu é comigo.Â
—Não se eu estiver morto!Â
—Isso não vai acontecer! A primeira rainha passou as chaves antes de se atirar no fogo, não foi? A Senhora que reina agora pode fazer o mesmo, ela nunca fez nada por você então isso seria o mÃnimo. É assim que vamos contornar isso, eu posso convencê-la!Â