Roderick
detestava covardia, de qualquer espécie, e ver três homens espancando um que
não conseguia se defender era algo que ele não podia tolerar, por isso ele
galopou em seu auxílio. O cavalo negro de Roderick chegou rapidamente, o cavaleiro
apeou, se pôs frente a frente com os homens e gritou:
—
Parem imediatamente com isso! — o grito foi alto, mas a reação a ele foi de
desdém, os homens ignoraram completamente o cavaleiro e continuaram a espancar
violentamente o outro. Roderick empurrou um dos homens que caiu em cima dos
outros dois. Eles finalmente perceberam a presença dele e se enfureceram ainda
mais por terem sido impedidos de continuar com a surra. Um deles era um senhor
bem idoso, aparentava ter uns setenta anos e nenhum dente na boca, ele estava
batendo no outro com o auxílio de um pedaço de madeira. Assim que percebeu que
Roderick queria impedi-lo de continuar com o espancamento, ele arremessou seu
pedaço de madeira em direção à cabeça de Roderick, mas foi facilmente esquivado
pelo cavaleiro que se moveu rapidamente para o lado, justamente no momento que
Valentim finalmente havia chegado para ajudar. Ele não viu a madeira se
aproximando e acabou sendo atingido na cara por ela e caiu do cavalo,
atordoado.
—
Partam agora e eu os pouparei de receberem de volta a sova que estão dando —
disse Roderick, ao que um dos homens, que aparentava ser o mais novo, respondeu
atirando uma pedra em sua direção. O cavaleiro aparou-a no ar com as mãos e
atirou-a de volta, acertando o jovem homem no queixo, fazendo-o desmaiar. O
velho, que já não tinha mais seu pedaço de pau, correu com os braços em riste
para estrangular o cavaleiro. Levou um soco antes mesmo de conseguir tocá-lo e
caiu desfalecido sem nem ter entendido o que aconteceu. Teria perdido todos os
dentes, se ainda tivesse algum. Roderick olhou bem para o terceiro homem, ele
aparentava ter uns quarenta anos, usava roupa de camponês e seu rosto era uma
máscara de ódio, ele até chorava de raiva. O homem, vendo que não poderia
enfrentar o cavaleiro, pegou uma grande pedra no chão e levantou-a o mais alto
que pôde para, assim, desferir um golpe fatal na vítima. Roderick rapidamente
sacou sua espada e a arremessou em direção a ele. O cabo da espada atingiu a
têmpora do homem, que acabou derrubando a pedra na própria cabeça, fazendo-o
cair inerte.
Valentim
acordou com alguns tapas na cara, eles não eram nem um pouco delicados e doíam
mais do que despertavam. A primeira coisa que ele conseguiu distinguir foi
Roderick, depois ele percebeu que o cavaleiro estava carregando um homem
desacordado em suas costas.
—
O que aconteceu aqui? — perguntou Valentim ainda atordoado.
—
Eu fui resgatar esse jovem de um ataque covarde e você acabou sendo derrubado
por um velho.
—
Como assim derrubado por um velho?
—
Quando você estava se escondendo atrás de mim, acabou sendo atingido por um
velho senhor que estava batendo nesse jovem.
—
Calma aí, estou começando a lembrar. Eu não estava me escondendo, eu também
estava indo ajudar esse rapaz.
—
Você deve estar confuso por causa da pancada, pois, pelo que eu me lembro, você
havia dito que não era bom combatente e praticamente disse que não pretendia
lutar contra um grupo em maior número.
—
Disse, mas depois eu mudei de ideia e vim ajudar.
—
Estou sabendo — disse Roderick, claramente duvidando do que o outro disse.
—
Como assim “estou sabendo”? Eu estou dizendo a verdade.
—
Tudo bem — respondeu Roderick com condescendência.
—
Você não está acreditando em mim! — falou Valentim se enfurecendo.
—
O que você quer que eu faça? Que eu te dê uma medalha por você ter se recusado
a entrar em um combate contra três camponeses, mas depois mudou de ideia e foi
derrotado por um velho?
—
Você bota a situação em termos injustos, eu apenas…
—
Chega Valentim — interrompeu o cavaleiro —, deixe essa bobagem para lá, não há
tempo. Esse jovem rapaz está muito ferido. Se tivéssemos demorado mais alguns
instantes, aqueles homens o teriam matado. Precisamos chegar à cidade do qual
você falou.
—
Estou meio atordoado, mas acredito que ela esteja próxima. Cadê o meu cavalo? —
perguntou o bandoleiro ao notar que seu animal não estava à vista.
—
Ele fugiu quando você caiu — respondeu secamente o cavaleiro.
—
O meu cavalo fugiu? Só pode ser brincadeira — ele começava a se exaltar.
—
Eu não sou muito bom com brincadeiras e já te disse que não minto. Ele saiu em
disparada quando você caiu ao chão.
—
Que droga, por que você não o impediu?
—
Porque eu estava ocupado salvando a vida de alguém e não corro tão rápido
quanto um cavalo.
—
Mas que inferno, Roderick, aquele cavalo custa uma fortuna. Agora teremos que
voltar para buscá-lo.
—
Claro que não, esse rapaz não terá muito tempo de vida se não for tratado.
—
Eu quero que esse desgraçado vá às favas. Você não está ouvindo, aquele é um
alazão de porte nobre, custa mais do que uma casa.
—
Achei-o muito covarde para um animal desse preço. Meu cavalo sempre para nos
cantos onde eu mando que ele pare.
—
É, Roderick, mas nem todo mundo é um grandioso cavaleiro adestrador de animais.
Eu paguei por aquele cavalo e digo que nós precisamos voltar para pegá-lo.
—
Quando você deixou ele no deserto para fugir de mim eu te ajudei a achá-lo
porque tínhamos tempo de sobra, mas agora tem uma vida em risco.
—
A vida de um desconhecido, que eu preferia nunca ter visto.
—
Valentim — falou Roderick com o máximo de desprezo que podia pôr em sua fala —,
sei que só se importa consigo mesmo e que o dinheiro sempre está em primeiro
lugar em seu pensamento, por isso, não se preocupe, pois, com o dinheiro que
vou te pagar, você poderá comprar um plantel dos melhores cavalos do reino, mas
agora você deve abandonar esse animal traidor que deixou seu dono em apuros e
fugiu quando você mais precisou dele, no entanto, se você realmente quer esse
animal, pode ir atrás dele sozinho, porque eu vou à cidade.
Aquelas
palavras atingiram Valentim como uma navalha, ferindo o seu orgulho, que não
era tão grande, mas que ultimamente ele andava sentindo cada vez mais forte.
Roderick chamou seu cavalo com um assobio, ele se aproximou e lambeu o rosto do
cavaleiro, o que deixou o bandoleiro com inveja, pois seus cavalos só se
aproximavam com ameaças de violência e só lamberiam sua cara se ela estivesse
lambuzada de mel. Roderick pôs o rapaz ferido em cima do cavalo e foi guiando
pela estrada, sem olhar para trás, deixando Valentim no caminho.
O
bandoleiro pensava consigo mesmo, desde que ele conhecera Roderick tudo em sua
vida estava dando errado, ele perdeu seu posto como líder dos bandoleiros,
perdeu sua fortuna, foi derrotado por um velho e perdeu o seu cavalo. O pior é
que o cavaleiro ainda o fazia sentir-se envergonhado por todas essas coisas. As
pessoas dizem que os Rodericks possuem uma maldição, a de que eles trazem
desgraça para onde quer que sigam. Valentim sempre achou que isso fosse uma
bobagem, mas estava começando a acreditar nela. Talvez fosse melhor abandonar o
cavaleiro ali mesmo e seguir outro rumo. Valentim estava com raiva, mas, depois
de refletir alguns segundos, decidiu seguir o cavaleiro, pois ele era a sua
única chance de ficar rico e ele acreditava que não tinha mais nada a perder
seguindo-o. Teve que correr para alcançá-lo.
—
Me espera, Roderick — disse Valentim esbaforido —, eu vou com você.
—
Eu já sabia que você viria.
—
Ah, sei bem. Agora você também sabe de tudo — falou Valentim com deboche. —
Cavaleiro, adestrador e adivinho. Você é um cara bem abençoado.
—
Eu não vejo as coisas dessa maneira.
—
O importante é só discordar de mim. Não é mesmo? Quer saber de uma coisa, eu
não ligo mais para o que você acha de mim. Cadê o corpo dos desgraçados que
você derrotou? Eu quero dar uns pontapés no corpo daquele velhote imbecil.
—
O que você pensa que eu sou? Um animal? — falou Roderick ofendido. — Claro que
eu não matei aqueles homens, eram apenas alguns insetos. Eu os amarrei e os
tirei da estrada para que não fugissem. Quando chegarmos à cidade informarei às
autoridades sobre o paradeiro deles.
—
Por que você simplesmente não cortou a garganta deles?
—
Porque eu sou um cavaleiro e não um bandoleiro imundo — espezinhou o cavaleiro.
—
Você pode até chamar os bandoleiros de imundos, mas existem muitos cavaleiros
que fariam exatamente o que eu disse.
—
Eles não são cavaleiros de verdade, são tão criminosos quanto você, só se
vestem melhor.
—
Ótimo, agora ele também vai insultar minha indumentária. Fique o senhor sabendo
que minha roupa é de seda, diferente da sua que é de pano barato.
—
As minhas roupas são simples, mas compradas com dinheiro limpo, já as suas
fedem a roubo, além de serem espalhafatosas e cafonas.
—
Pois as suas são sem graça e fedem a bajulador real.
—
Com quem você pensa que está falando? — esbravejou Roderick para Valentim. — Eu
já matei homens por muito menos do que isso.
—
A mando do rei? Não duvido. Aquele déspota só faz o que quer mesmo e vocês
cavaleiros posam de heróis da justiça e da retidão, mas obedecem às ordens
dele, mesmo quando elas não são dignas.
—
O que você sabe sobre dignidade? Valor? Sacrifício? Diga para mim o que um
bandoleiro como você sabe sobre fidelidade?
—
Sei que quanto mais forte ela é, mais se assemelha com a cegueira. Você, senhor
Roderick, fala muito sobre honra, mas segue a um homem que não tem ela como
prioridade.
—
Você não me conhece, nem conhece os motivos para que eu siga o rei.
—
Você também não me conhece e não sabe os motivos para eu ter virado um
bandoleiro.
—
Nem me importo em conhecê-los.
—
Eu também não quero saber o porquê de você seguir o rei. Para mim você é apenas
um adulador.
—
Vamos fazer mais um acordo? A partir de agora nós só falaremos o estritamente
necessário um com o outro, tudo bem?
—
Ótimo! Por mim, tudo bem, assim eu não preciso ouvir mais a sua voz pedante
sempre me julgando.
—
E eu não precisarei ouvir as suas covardias.
Os dois viraram o rosto
para frente e seguiram até a cidade em silêncio, evitando até mesmo trocar um
olhar. Andaram pouco mais de dois quilômetros antes de começarem a ver as
pequenas casas aparecendo. Uma placa indicava que eles haviam chegado a Viseu.