Era uma
mulher, mas não se tratava de uma comum, pois parecia um fantasma e isso
assustou mais Adrian do que se fosse um homem desconhecido com um machado nas
mãos. Ele fechou os olhos, ficou na posição fetal para se esconder o máximo
possÃvel atrás do caixote e rezou, com a fé que nunca teve em toda a vida antes
disso.
— Adrian! — chamou a mulher,
assustando mais ainda o garoto. De onde essa mulher o conhecia? Era uma bruxa?
Ou quem sabe um espÃrito? Ela veio levá-lo para o reino dos mortos? O medo era
tão grande que fazia-o tremer. Mesmo que quando mais jovem ele nunca tenha
urinado nas calças, de súbito, ele adquiriu o hábito. Suas roupas estavam
ensopadas.
— Adrian, eu sei que você está aà —
continuou a mulher. — Onde você está se escondendo?
— Vá embora, espÃrito maligno! —
gritou o garoto desesperado. — Deus é meu protetor e você não pode me ferir.
— Ah, ah, ah! — gargalhou a mulher.
— Que história é essa de espÃrito, moleque, o que você andou bebendo?
— O quê? — indagou o garoto enquanto
saÃa do esconderijo e via que a mulher não era um espÃrito, mas sim uma velha
bem suja. — Quem é você? Como sabe meu nome?
— Bem que ele disse que você era um
jovem que não sabia nada do mundo. Eu garoto, sou Madeleine e fui contratada
para te satisfazer.
— Como assim? — perguntou o garoto
confuso. — Do que você está falando?
— Seu amigo pagou pelos meus
serviços. Ele me disse que você ainda não conhece os prazeres que uma mulher
pode proporcionar, então ele me mandou aqui para te ajudar.
— Foi o desgraçado do Marcel, não
foi? — concluiu Adrian enquanto analisava bem a mulher. Seus cabelos eram
longos e grisalhos, aparentavam não ver água há muitos anos e provavelmente
escondiam pulgas ou até mesmo parasitas maiores. Ela tinha pouquÃssimos dentes
na boca e os poucos que tinha eram apodrecidos. Seu nariz era fino e longo, não
tinha uma, mas sim várias verrugas crescendo ao redor dele. Vestia-se de um
jeito que faria vergonha a um mendigo, usava uma pequena bermuda colada ao
corpo, suja de sangue e de alguns detritos que Adrian preferia nem imaginar o que
eram, sua blusa era amarelada e cheia de furos, por vezes deixando à mostra
seus seios murchos. O que mais assombrou o garoto eram as pernas dela, mais
especificamente a perna, já que ela só tinha uma, era peluda como poucos homens
conseguem ter uma.
— Exato, foi o jovem Marcel —
respondeu a velha. — Vamos logo, não temos muito tempo, as casas estão sendo
invadidas, vamos aproveitar nosso tempo.
— Tenha compostura, senhora — disse
Adrian com asco. — A senhora tem idade para ser minha bisavó.
— Não seja bobo, garoto, nós
mulheres estamos sempre prontas para o que der e vier, vocês homens devem estar
sempre prontos para quem vier e lhes der.
— Minha senhora, tenha respeito.
Esse é o tipo de piada grosseira que bêbados fazem em bares sujos.
— Não seja maricas, garoto, por
acaso eu devo avisar ao Marcel para lhe trazer um homem?
— Claro que não! — gritou o garoto
com fúria. — Eu gosto de mulheres.
— Não me parece, recusando meus
serviços assim.
— Não estou recusando porque não
gosto de mulheres, estou recusando porque não gosto de você. Você é velha, suja
e fede a bebida.
— Não seja tolo, você é jovem,
inexperiente e cheira a mijo, nem por isso estou botando empecilhos.
— Isso é porque eu acabei derrubando
o balde de urina em cima de mim — falou o garoto constrangido.
— Isso não importa, vamos logo,
rapaz, baixe as calças e você não vai se arrepender.
— Claro que não! — exclamou o garoto
enquanto empurrava a mulher que já estava com as mãos em suas calças. Ela caiu
ao chão e ficou de bruços, não dava para ver se ela estava acordada ou se tinha
batido a cabeça e desmaiado. Inicialmente o Adrian ficou satisfeito, mas logo
ficou apreensivo, por mais que fosse tolo e mimado, ele não era mau e não
queria ferir ninguém. Ele se abaixou para ajudá-la, mas antes de fazê-lo percebeu
que ela estava chorando.
— Por favor, senhora, me desculpe —
implorou Adrian enquanto colocava a velha sentada. — Eu não quis machucá-la.
— Você não me machucou, seu
mariquinhas — disse a velha ainda com voz chorosa. — Não é por isso que estou
chorando.
— E por que a senhora está chorando?
— indagou o rapaz, se esforçando para deixar a ofensa de lado.
— Porque tudo está ficando uma
droga. Antigamente eu era respeitada e procurada por todos os homens do reino,
agora eu sou recusada até por garotos virgens. Em que mundo eu vim parar?
— Senhora, creio que já está muito
velha para esse tipo de serviço. Normalmente os homens procuram garotas mais
novas para esse tipo de coisa.
— Tolice, eu tenho setenta e três
anos, já sou velha faz muito tempo, mas sempre tive muitos clientes, tive mais
na velhice do que na juventude. Não é por eu ser velha que estou sendo
recusada.
— E por que seria? — perguntou o
garoto de forma debochada.
— Porque este reino está em
decadência, é por isso. Tudo é culpa desse novo rei, foi depois que ele assumiu
que as coisas começaram a mudar.
— Eu não vivi aqui antes de Diógenes
reinar, como era?
— Garoto, agora eu não me espanto
mais por você ser tão efeminado. Você perdeu a melhor época desse reino. O rei
Dioniso era a melhor coisa aqui de Catônia, ele adorava festas, vivia
embriagado e fazia as maiores orgias que eu já vi em toda a minha vida, e olha
que eu já vivi muito.
— Quer dizer que ele era só um
depravado?
— Longe disso, ele era muito bom em
tudo o que fazia. Ele era um excelente guerreiro, cuidava da alimentação do
povo e também da diversão, mas o seu foco mesmo era a diversão. Na sua época,
ele criou templos de artes sexuais. Mulheres e rapazes eram treinados nas artes
do amor e viravam sacerdotes do coito. Dedicavam suas vidas aos atos sexuais,
não perdiam tempo com superfluidades como assepsia e estudo de qualquer outro
tipo de conhecimento que não fosse o sexual.
— Sacerdotes do coito? Que coisa
ridÃcula, você está inventando isso.
— Por que eu inventaria? É a mais
pura verdade. Eu sou a sacerdotisa viva mais condecorada que existe em todo o
reino, sei fazer coisas que fariam você entrar em êxtase por dias.
— Ah! Ah! Ah! — gargalhou Adrian —
Você é bem louca.
— Não, eu não sou louca, eu até
gostaria de ser, mas não sou. Eu conheço os prazeres máximos que o corpo humano
pode sentir, a vida cotidiana para mim é enfadonha, por isso eu vivo bêbada,
para que nesse estado de embriaguez eu possa sentir algum tipo de felicidade
que se assemelhe aos prazeres supremos da carne.
— Você vive bêbada? Você não me
parece bêbada agora.
— É porque nos últimos anos as
pessoas têm me evitado. O único meio que eu tenho de conseguir bebida é dando
prazer, pois eu não sei fazer outro trabalho, mas cada vez mais o medo de ser
descoberto aumenta no coração das pessoas, são raras as vezes em que consigo
trabalho.
— Você tem uma grande imaginação,
senhora.
— Garoto tolo, você veria que eu
falo a verdade se aceitasse dormir comigo, mas sei que não fazem mais homens
como antigamente. O rei Dioniso era muito esperto, ele sabia que os homens
fazem tudo por uma boa noite de amor, por isso ele criou os templos das artes
sexuais, ele precisava de uma boa maneira de se divertir e pagar pelos bons
serviços de seus melhores súditos. Antigamente, bastava eu dizer que era uma
sacerdotisa do coito para que os homens, mulheres, e até mesmo alguns animais,
fizessem filas pelos meus serviços, não importava se eu era velha, bêbada ou
tivesse uma perna tão suja que acabou caindo, nós éramos a maior recompensa que
um súdito de Catônia poderia receber. O próprio rei me elegeu como a maior e
mais qualificada sacerdotisa do coito de todos os tempos, era sempre a mim que
ele procurava quando queria prazer extremo, dependendo da brincadeira que
queria, ele também chamava outras garotas, às vezes, se ele estivesse muito
bêbado, chamava também alguns garotos. Eu já tive até mesmo dois filhos do rei.
— Você é mãe de dois bastardos do
rei? — Perguntou Adrian, começando a ficar curioso de até que ponto iriam as
invenções da mulher.
— Sim, um garoto e uma garota,
gêmeos. O garoto foi levado pelo rei logo depois do nascimento e eu nunca mais
ouvi falar dele, mas a garota ficou comigo, virou sacerdotisa, não tão boa
quanto eu, mas uma sacerdotisa razoável. Ela resolveu viajar pelo mundo, hoje
eu creio que vive em Quendor.
— Quendor? É sério? Eu sou de lá,
mas me mudei para Catônia ainda muito cedo. Diógenes me raptou quando eu era
apenas uma criança e me manteve refém aqui em seu reino, mas, na verdade, eu
sou um prÃncipe de Quendor.
— Garoto, se isso for verdade, não
devia sair por aà dizendo para qualquer um. A cidade está repleta de bandidos
que ficariam muito felizes em te raptar e cobrar centenas de peças de ouro para
seu pai. Cuidado com sua lÃngua.
— Não se preocupe, serei mais discreto
— falou o jovem ainda com o tom debochado. — Senhora sacerdotisa, o que eu não
entendo é por que não existem mais esses templos das artes sexuais se eles eram
as coisas mais interessantes de Catônia.
— Por causa de Diógenes, ninguém
sabe ao certo o porquê, mas ele odiava os templos, tão logo ele assumiu, mandou
destruir a todos e condenava as pessoas que dormiam com sacerdotes. Os mais
antigos não nos procuram mais por medo das represálias do rei, os mais jovens,
como você, não entendem a maravilha que é receber nossos serviços e por isso
nos desdenham.
— Foi uma história muito legal, mas
a única coisa em que acredito é que Diógenes é um canalha.
— Rapaz, cuidado com o que você diz,
desaprove Diógenes em silêncio, como a maior parte do reino faz, ou então, caso
ouça esse tipo de ofensa, ele fará com que você e todos os que você ama sofram.
— Eu não me importo mais, se eu o
visse agora, mandaria o maldito para o inferno — mal Adrian terminou de falar,
o som de várias pessoas entrando na casa lhe assustou, ele colocou a mão na
boca e rezou para que ninguém além da velha louca tivesse ouvido o que ele
disse. Madeleine o havia distraÃdo com todo aquele delÃrio, estavam conversando
em voz alta e dando gargalhadas, alguém do lado de fora deve ter ouvido e agora
eles estavam perdidos, seriam roubados e provavelmente assassinados. O garoto
estava pronto para chorar de pavor quando viu Leon descendo as escadas junto
com outros homens, ele deu um suspiro de alÃvio.
— Pronto, garoto, consegui alguns
homens para nos levar até Quendor pela rota dos bandoleiros — disse Leon, antes
de se surpreender com o que via. — O que houve? Por que você está fedendo a
mijo? Onde está o Marcel, aquele desgraçado filho de uma babuÃna? E o que a
senhora Madeleine está fazendo aqui?
— Parece bem óbvio para mim, o
garotinho se mijou de felicidade por perder a virgindade — disse um dos homens,
fazendo todos os outros rirem de Adrian.
— É bom que você saiba o que
acontece quando um garoto perde a virgindade, já que foi assim com você, não é
mesmo, Darnel? — falou a velha, fazendo o homem corar e se calar, um dos homens
debochou dele, mas também recebeu uma resposta da velha. — Acho curioso que
você ria do Darnel, Almir, já que você fez coisa muito pior do que mijar nas
calças quando eu te fiz homem.
— Eu não quis debochar, me desculpe,
senhora Madeleine — disse o homem chamado Almir enquanto saÃa para esperar do
lado de fora.
— Eu não estava dormindo com esta
mulher — disse Adrian furiosamente —, eu sou um prÃncipe, nunca faria uma
imundÃcie dessas.
— Então você nunca vai saber o que é
prazer de verdade — disse Leon. — Agora deixe de dizer baboseira e me fale onde
está o Marcel e por que a sacerdotisa está aqui.
— Isso é sério? — perguntou o garoto
com incredulidade. — Essa história de sacerdotisa do coito existe mesmo?
— Mas é claro, moleque — respondeu
Leon —, agora responda de uma vez, cadê o Marcel?
— Ele saiu, disse que ia procurar
uma mulher para se deitar com ele. Depois disso ele mandou essa velha aqui para
brincar com a minha cara.
— E o que diabos um eunuco vai fazer
com uma mulher?
— Senhor — disse o garoto —, ele me
contou que era mentira a história da castração, ele disse que a inventou para
não sofrer represálias do rei.
— Aquele grandessÃssimo bosta, eu
deveria ter deixado que ele fosse esquartejado — ralhou Leon. — Agora não
podemos mais ficar aqui, temos que ir embora. Senhora Madeleine, desculpe se
esse meu discÃpulo foi grosseiro para com você.
— Não tem problema — disse a velha
—, ele é jovem, não é culpa dele, mas fico feliz que você esteja aqui, é bom
ver alguém da velha guarda que sabe apreciar o bom da vida. Espero que possamos
nos divertir antes que você vá.
— Eu gostaria muito, mas o tempo
urge e o bem de todo o reino está em perigo, se eu me divertisse com você,
esqueceria todas as minhas responsabilidades por muito tempo. Eu vou deixar uma
bebida com você, da safra pessoal do antigo rei Dioniso. Eu sempre ando com uma
pequena garrafa. Você poderia ficar aqui e avisar ao desgraçado do Marcel por
onde eu vou? Eu peço para um dos rapazes deixar um mapa para você entregar a
ele.
— Por bebida da safra do rei
Dioniso? Meu querido, por uma garrafa dessas eu até moraria aqui se você
pedisse.
— Então está decidido, vamos embora
homens. Muito obrigado sacerdotisa — disse Leon e deu um beijo na boca
desdentada da velha. Adrian teve ânsias de vômito, mas se conteve, os outros
homens olharam com inveja.
Eles foram embora e deixaram Madeleine com um
mapa para entregar a Marcel. Leon havia conseguido a ajuda de oito homens para
o serviço, eram bandoleiros que sabiam um atalho pela rota de tráfico do grande
deserto de Sálvia até Viseu. Adrian seguiu por todo o caminho enojado,
imaginando como seria grotesco dormir com uma velha, fedorenta, perneta e louca
como Madeleine e teve ojeriza. Ele jurou a si mesmo que nunca dormiria com uma
sacerdotisa.