Ifnir tamborilava os dedos incessantemente e olhava para o
teto do salão, como se buscasse na lembrança um jeito de começar seu relato.
Diógenes estava impaciente e já havia apressado o homem uma dúzia de vezes, mas
como resposta teve apenas meneios de mãos e sussurros roucos. Câncer estava a
postos, não confiava no velho, temia ser mais uma vez aprisionado por aquelas
sombras, então segurava seu punhal por dentro de suas roupas, qualquer sinal de
ataque seria respondido por um golpe à distância. Eduardo esperava ansioso por
saber e entender como funcionava o poder do velho, no entanto, sentou-se bem
próximo de um local onde pudesse fugir. Para surpresa de todos, o velho começou
a se debater como se convulsionasse. Os três homens ficaram apreensivos e por
pouco não o atacaram. O rosto do velho assumiu uma forma repulsiva e repuxada,
logo ele começou a falar com uma voz bem diferente da rouca que apresentava.
— O velho
Ifnir não sabe por onde começar, o peso da idade recaiu sobre ele recentemente
e ele já não é mais senhor completo de sua razão como antes — disse o velho
como se fosse um tÃtere de carne. — Eu, embora enfraquecido pela luta, ainda
posso relatar tudo.
O
sangue dos homens gelava ao ver aquele corpo franzino e velho reproduzindo
aquela voz alta e gutural, mas eles fingiam austeridade para não mostrarem-se
fracos diante daquela aberração.
— Não
precisam temer, já lhes disse, não sou seu inimigo. Não adianta manter a pose
contra mim, eu sinto o cheiro do pavor a distância. Já matei e torturei humanos
demais para entender como eles se sentem. Vocês sabem como é, já devem ter
feito o mesmo, sei muito bem como funciona a mente dos psicopatas, não é muito
diferente da minha e vocês três são tão vis quanto eu. Eu sinto isso, não
adianta negar. Vocês são cães cruéis e malignos, matariam a própria mãe por
qualquer coisa que lhes fosse benéfico. Não pensem que isso é uma ofensa, muito
pelo contrário, é só por isso que vim aqui em busca de aliados. Vocês são
homens dignos de trabalharem comigo. São homens, mas poderiam bem ter nascido
como demônios. Eu sinto o cheiro do sangue de inocentes entrelaçados entre seus
dedos. É delicioso.
O velho
fechava os olhos e lambia os beiços em sinal de êxtase. Embora ele se
anunciasse como aliado, o desconforto de sua presença era palpável. Ainda com
os olhos fechados ele começou a falar em uma lÃngua jamais ouvida por eles
três, runas surgiram sob seus pés, suas linhas eram cintilantes e dela saÃa
muita fumaça e vento. Os três cobriam o rosto da poeira que se espalhava, mas
não desviavam o olhar do velho. Logo começaram a surgir sombras semelhantes a
eles três, elas agiam em grande velocidade e falavam tudo o que eles três
haviam conversado antes que o demônio aparecesse. Todo o diálogo deles foi
reproduzido por aqueles atores nefastos até o exato ponto em que o velho
surgiu. Logo após isso, as runas desaparecem, junto com as sombras e o salão
voltou a sua normalidade.
— O que
está fazendo, demônio? — indagou o rei.
— Estou
verificando o que aconteceu na reunião de vocês. O que vocês já sabem sobre
Roderick e sobre seus acordos.
— Não
precisava de suas diabruras, poderia ter nos perguntado — atalhou Eduardo.
—
Homens mentem, é da sua natureza, sombras não — disse o velho. — Não é possÃvel
mentir para um mentiroso, pelo menos não para mim. Você, Eduardo, dos três, é
com certeza o mais embusteiro, guarde suas lorotas para quem pode ser vÃtima
delas. Sim, eu vim para o canto certo. Vocês três me deram informações cruciais
sobre Roderick e são os aliados ideais para mim. Como paga pela sinceridade de
vossas sombras, também serei sincero com vocês, embora tenha asco desse tipo de
atitude. Quando chegar a hora, minhas sombras lhes mostrarão tudo o que
aconteceu.
O velho
sentou-se no chão.
— Eu
estou muito surpreso que Paulo é um descendente do trono de Catônia, mas
tranquilizo vocês, Roderick não sabe disso. Ele aliou-se ao monge por outros
motivos. Inicialmente ele se uniu ao seu antigo chefe, Eduardo, aquele maldito
chamado Valentim. Ele buscava as mulheres raptadas do harém real e Valentim,
como chefe dos bandoleiros, tinha muitas conexões indecorosas que poderiam
levá-lo a achá-las. Por sua traição, Eduardo, Valentim se encontrou sem opções
além de se aliar a Roderick. Valentim tinha sido enganado por você e perdeu seu
posto de lÃder dos bandoleiros, o cavaleiro era sua última opção.
— A história não é bem assim — falou
o bandoleiro.
— A história é exatamente essa. Não
fosse por você, Roderick não teria se aliado ao Valentim e sua busca se
estenderia pela eternidade. Mas não foi o que aconteceu. Embora Valentim não
acreditasse na história que as mulheres haviam sido raptadas por criaturas
formadas por sombras, ele conhecia a história do mosteiro de Ifnir e, portanto,
conhecia a fama do local como ambiente sobrenatural, então ele levou o
cavaleiro para lá em busca de pistas. Por curiosidade do destino, ele já havia
negociado com Paulo no passado e ele era informante do bandoleiro. Eles estavam
indo apenas atrás de informações quando encontraram vocês da Doença Mortal
tentando assassinar Paulo.
— Então
nossa suposição estava certa. — concluiu Câncer.
— Ah,
ah, ah! Sim — gargalhou o demônio com deboche. — Seus idiotas, vocês atacaram
um Roderick e ainda se condenaram ao marcá-lo sem nem ao menos ser necessário.
Tivessem apenas matado Paulo e fugido, isso não teria acontecido.
— É
muito fácil falar depois do acontecido — disse o assassino com raiva. — Não
tÃnhamos como saber.
— Vocês
foram arrogantes, isso basta — concluiu Magog. — Valentim e Roderick estavam
atrás de Paulo para receber informações, se tivessem encontrado ele morto,
talvez nem estivéssemos aqui agora. Vocês são culpados pela união deles, não só
por isso, mas por muito mais. Ao serem derrotados por Roderick vocês mostraram
a força do cavaleiro, que estava disfarçado, pois Valentim acreditava que ele
chamava muita atenção, o que era ruim para a missão deles. Paulo, ao ver todo o
poder daquele cavaleiro, logo o identificou como Roderick e bolou um plano.
— Um
plano contra mim? — quis saber Diógenes.
— Paulo
nem sabe quem é você. Paulo não sabe que é herdeiro de Catônia, ninguém além de
nós e a mãe do garoto sabem. A vingança dele era contra Ifnir e seus monges. O
mosteiro era um local de pacto com demônios, lá os homens eram treinados por
Ifnir a fazer pactos conosco em troca de poder. Paulo foi criado no mosteiro e
lá aprendeu toda a arte demonÃaca. Ele era um prodÃgio sem precedentes e Ifnir
tinha planos para tomar seu corpo, porém ele se mostrou um garoto hedonista.
Ele não se interessava por estudos e passava a maior parte do tempo vadiando.
Ifnir mandou matar os amigos de Paulo. O garoto então buscava um meio de se
vingar pela perda dos amigos e viu em Roderick esse meio.
— Então
a culpa é sua pela aliança de Paulo a Roderick? — indagou Câncer com malÃcia.
— Ah,
ah, ah! — gargalhou o demônio. — Vocês aprendem rápido. Sim, a culpa é desse
homem imundo com o qual agora eu sou obrigado a compartilhar o corpo. A ambição
de Ifnir fez com que Paulo buscasse ajuda de Roderick para destruir o mosteiro.
— Ele
pediu para que Roderick atacasse o mosteiro? — indagou o rei.
— Antes
fosse isso, mas não, foi bem pior. Paulo não poderia pedir isso a Roderick,
então ele o manipulou para que o cavaleiro o auxiliasse. Paulo tem a aparência
e as atitudes de um louco, mas ele é esperto e malicioso, o pior tipo de
inimigo que alguém pode ter. Nós demônios estávamos presos, vÃtimas de uma
guerra da qual participamos contra os anjos, os monges negociavam conosco
dentro de nossas celas. Há muitos anos, um demônio teve um presságio de que um
homem de famÃlia ancestral seria nossa libertação e nossa perdição. Nós
acreditávamos que esse homem era um Roderick, porém, os monges não queriam que
isso acontecesse, pois conosco livres eles perderiam a utilidade para nós e não
poderiam mais barganhar por poder. Paulo, como sabedor dessa lenda, levou
Roderick ao reino dos demônios para nos libertar.
— Mas
por que Roderick libertaria vocês? — indagou o rei.
—
Porque Paulo barganhou comigo, caso Roderick pudesse realmente nos libertar, eu
daria a eles três pedidos ilimitados. Eles poderiam pedir qualquer coisa que
estivesse ao meu alcance e eu, como lÃder dos demônios, chefe maior do inferno,
tinha poderes praticamente ilimitados. Roderick aceitaria qualquer coisa para
achar as mulheres, então ele concordou com o pacto. Valentim ainda relutou,
pois via que estavam sendo manipulados por Paulo, mas também aceitou. Augusto
Roderick mostrou-se digno da profecia, seu
poder espiritual era tão imenso que ele foi capaz de destruir as barreiras de
luz que nos prendiam. Estávamos livres, depois de milênios de reclusão. Eu
tinha um exército de demônios que haviam durante anos se fortalecido com os
pactos com os monges, tudo estava na mais perfeita ordem.
— E o
que houve? Como você ficou tão ferido? — quis saber Diógenes.
— O que
houve? Bem, o que houve foi o Paulo. O desgraçado já tinha tudo em mente.
Roderick pediu a localização das mulheres como seu pedido. Elas estavam nas
mãos de uma bruxa que havia se utilizado dos meus poderes para raptá-las, não
faço ideia do motivo. Eu dei a localização delas e me vi livre da minha
promessa com o cavaleiro, só faltavam dois pedidos, o de Paulo e o de Valentim,
então estarÃamos livres para dominar o firmamento e nos vingarmos dos malditos
anjos, mas Paulo tinha outros planos. O maldito monge desejou que todos os
pactos feitos com todos os monges fossem desfeitos. Isso fez com que todo o
trabalho que tivemos com séculos de parceria com os monges perdesse sua
recompensa. TÃnhamos diversas almas e diversos favores e perdemos tudo. Paulo
sabia que, ao desejar isso, nós ficarÃamos com raiva e descontarÃamos nos
monges, pois trabalhamos para eles sem receber nada em troca. Ele também sabia
que a alma dos que tomamos seria libertada e a alma dos malditos amigos dele
estavam em nossa posse. Ele fez isso para libertar o espÃrito dos seus amigos e
liberar nossa fúria sobre os monges.
— E o
que vocês fizeram? — indagou Câncer.
— Nós
fizemos o que o desgraçado quis. Não podÃamos negar o pedido, então cancelamos
todos os pactos com os monges. Aquilo foi odioso, todo o poder que adquirimos,
todos os servos que conquistamos, foi perdido. Maldito seja aquele desgraçado
do Paulo. Não podÃamos nos vingar imediatamente dele, pois ele estava com
Roderick, o mesmo homem que destruiu todas as nossas amarras. Talvez até
pudéssemos derrotá-lo, mas isso seria a que custo? Além do quê, eles ainda
tinham um pedido, o de Valentim, enquanto ele não o fizesse, não poderÃamos
atacá-los. A fúria crescia no nosso peito, então resolvemos descontá-la nos
monges. Transportamos todos os monges do mosteiro para o reino dos demônios,
por isso os assassinos acharam o mosteiro vazio. Nós então torturamos e matamos
todos os monges, à exceção de Paulo, que era protegido por Roderick e Ifnir,
que ainda poderia ser útil. Nós destruÃmos aqueles insetos que por anos tiveram
os nossos serviços e agora estavam livres de pagar por eles.
— E
como você passou de um senhor de demônios, para essa criatura alquebrada diante
de nós? — Indagou Câncer.
— O
último desejo — respondeu o demônio mostrando um semblante de reflexão. —
Valentim ainda tinha um desejo, mas admito que não tinha medo dele. Éramos
poderosos demais, eu julgava. Meu plano era seduzir o bandoleiro para que ele
pedisse algo em seu benefÃcio próprio e, se o fizesse, seria poupado de
qualquer represália. Ele parecia inclinado em aceitar. Se ele aceitasse,
mandarÃamos ele embora e voltarÃamos nossa fúria para Paulo e Roderick. É bem
verdade que o cavaleiro poderia matar muitos de meus soldados, mas imaginei que
nós nunca terÃamos outra oportunidade melhor. Ele estava cercado por milhares
de demônios, nosso número faria diferença. A profecia dizia que ele nos
libertaria e seria nossa perdição, então achei imprescindÃvel matá-lo antes que
ela se concretizasse por completo.
— E ao
fazer isso você acabaram fazendo com que ela se concretizasse, correto? —
indagou Eduardo.
— Sim,
bandoleiro. Você pôde compreender a ironia. Seu antigo lÃder foi muito esperto.
Ele não aceitou meus subornos, ele pensou no único pedido que poderia ajudá-los
naquele momento.
— Que
seria? — quis saber o bandoleiro.
— Ele
desejou que o espÃrito de todos os antepassados de Roderick viessem para
auxiliá-los na luta. Inicialmente eu pensei que fosse impossÃvel, pois a alma
de vocês humanos, após a morte, é levada pela Ceifadora para locais onde nem
mesmo nós sabemos ir. Todavia, havia algo diferente. Foi então que eu entendi
todo o segredo da força dos Rodericks. Os espÃritos dos antepassados não haviam
feito a viagem final, eles estavam dentro de Augusto Roderick. Era como se
todos eles habitassem o mesmo corpo, formando um poderoso indivÃduo.
Entenderam? Ele armazenava dentro de si, literalmente, toda a sabedoria e
experiência de seus antepassados, isso os torna invencÃveis. A promessa deles
prendeu seus espÃritos ao último Roderick vivo, para que eles pudessem cumprir
seus votos, mesmo após a morte.
— Eu
sempre soube que havia algo de estranho, sobrenatural e amaldiçoado naqueles
desgraçados — disse Diógenes. — E o que houve?
— O que
houve? — repetiu Magog assumindo uma postura assustada. — O que houve, você me
pergunta. Houve o horror. É isso o que houve. Um horror que nós sempre
praticamos, mas nunca sentimos antes. Você sabe o poder de intimidação que um
único Roderick é capaz, multiplique isso por centenas. Eram diferentes homens,
mas todos igualmente poderosos e assustadores diante de nós. Para nossa
surpresa, havia algumas mulheres também. Todos preparados para guerra.
— E
como foi essa guerra? — quis saber Câncer.
— Eu
sinto muito — disse o demônio assumindo cada vez mais uma postura retraÃda e
assustada. — Eu me expressei mal. O que houve não pode ser caracterizado como
guerra, não quando apenas um lado consegue se defender. Tentamos de tudo, mas
nada dava certo. Eles eram mais rápidos, mais fortes e mais espertos. Estavam
acostumados a enfrentar grandes números e nossas magias eram rechaçadas por
suas armas e escudos. Cada um tinha um estilo diferente. Alguns usavam espadas,
outros lanças, alguns usavam machado, tinham até mesmo os que só usavam punhos
e pés em combate. Todos igualmente mortais, certeiros e impiedosos.
Inicialmente tentamos lutar, mas ao ver que era impossÃvel, tentamos fugir, mas
eles não permitiram. Caçaram-nos como animais.
Os três
homens estavam horrorizados diante da angústia de Magog. O demônio perdeu
totalmente a sua atitude irônica e insolente, para assumir uma postura retraÃda
e traumatizada. Se nem mesmo as mais poderosas criaturas do abismo puderam com
aquele homem, o que eles, reles mortais, poderiam fazer?
— Por
milênios eu e meus irmãos torturamos os mais diferentes tipos de criatura e
almas, mas não estávamos preparados para aquilo. A luta contra o exército de
anjos foi parelha e poderia ter ido para qualquer um dos lados. Contra os
Rodericks, não. Eles formaram uma força maior do que qualquer coisa já
presenciada por meus olhos, a própria Natureza ajoelharia-se diante daquela
força. Nós pudemos apenas sucumbir. Um a um, meus irmão foram perdendo braços,
pernas e cabeças. Dentro de pouco tempo, só eu havia restado.
— E
como você conseguiu fugir? — quis saber Diógenes visivelmente transtornado com
aquele relato.
— Da
maneira mais vergonhosa possÃvel. Implorando por piedade. Eu chorei e me
debati, implorando, por tudo o que fosse mais sagrado para aqueles seres, para
que tivessem piedade. Prometi tudo o que estava ao meu alcance. Eles
mostraram-se enojados diante de tanta fraqueza, não tiveram pena, mas nojo de
me matar. Augusto Roderick falou por todos. Deixou bem claro o quanto me desprezava e que só me permitiria ir
embora com algumas condições.
— Que
seriam? — indagou Eduardo.
— Ele
me fez prometer nunca mais aceitar um contrato, também me fez prometer que eu
nunca iria atrás deles em busca de vingança.
— Por
que nos contou essa história, desgraçado? — disse Diógenes aos berros de
desespero. — Você disse que estava atrás de aliados, que precisaria de nossa
ajuda contra Roderick. Você tinha a porra de um exército de demônios e perdeu,
seu inseto. Você se arrastou e implorou por piedade, como uma prostituta
barata. Veio aqui para quê? Nos atemorizar mais do que já estamos? Cão.
Desgraçado. Seu amaldiçoado imundo. Por que me contou isso? Por quê?
—
Calma, Diógenes — tentou acalmar Eduardo, mesmo estando tão mal quanto o rei.
— Calma
é uma porra. Esse filho de uma cadela veio aqui cheio de marra. Com a presença
de um diabão, mas nos contou que não passa de uma cadela assustada. Droga!
Inferno!
— Não
há mais tempo a perder aqui — disse Câncer com comiseração. — Pensei que
poderia me aliar a você para ter alguma chance contra Roderick, mas vejo que é
impossÃvel. Juntarei meus homens e farei um ataque direto contra ele. O final é
certo, mas pelo menos isso acabará de uma vez.
— Eu
vou fugir, Roderick não sabe quem sou eu e, se eu tiver sorte, Valentim não
virá atrás de vingança — disse Eduardo com o mesmo tom pesaroso. — Devolverei o
dinheiro que roubei dele e incentivarei os homens a aceitá-lo novamente como
lÃder dos bandoleiros, antes que eu corra para o extremo oriente.
— E eu,
cães? — indagou Diógenes desesperado. — O que eu farei? Aquele maldito virá
atrás de mim onde quer que eu esteja. Ele vai tomar meu reino e a minha vida.
Nem sei se minha alma estará livre da vingança de Roderick.
— Vocês não me deixaram terminar —
falou Magog.
— O que há mais para dizer? —
indagou o rei com fatalismo.
— Há uma chance — falou o demônio
recobrando seu habitual jeito de falar.
— Tolice — disse o rei.
— Não, não é. Há uma chance — disse
o demônio com tanta certeza na voz que fez com que os três homens parassem de
se lastimar para ouvir. — Sim, eu fiz a promessa. Eles me pouparam e eu fugi,
mas trouxe comigo Ifnir. Eu não podia mais fazer pactos ou sequer ir atrás de
vingança, pois a promessa que fiz foi respaldada pelas leis dos demônios. Por
isso eu trouxe esse saco de carne inútil. Ifnir não tinha mais poderes, não
tinha mais juventude e não tinha mais serventia para mim, mas, por sorte, eu o
poupei. Não sabia que isso me daria a última chance de uma desforra. Eu possuÃ
o corpo dele, assim, ele não morrerá de velhice e, aqui dentro, meus ferimentos
ficam estancados. Eu não posso atacá-los diretamente, mas vocês podem fazê-lo.
— Mas seu poder já se mostrou inútil
diante dele, o que mudaria em um segundo embate? — perguntou Eduardo com
cálculo.
— Boa pergunta, bandoleiro. A
resposta é que eu entendi a força de Roderick. Um corpo e muitos espÃritos. Não
imaginava que isso era possÃvel, mas agora que vi, tenho plena certeza que
consigo recriar. Roderick uniu a força de todos os seus antepassados. O que nós
precisamos é de almas, muitas almas.
— Então você consegue recriar a
força de Roderick — indagou Diógenes com uma pitada de esperança.
— Sim, e você será o receptáculo —
disse o demônio. — Para tanto, precisaremos das almas de todos os habitantes de
Catônia.
O rei sorriu de satisfação. Ele poderia
sobreviver e o preço seria muito baixo, pensou ele.