Adrian estava cansado, o caminho até Viseu pela rota dos bandoleiros não era longo, normalmente seria necessário apenas um dia e meio a cavalo, mas era de difícil passagem, pois era muito acidentado, tinha diversos pedregulhos, apenas algumas árvores enegrecidas que não protegiam do sol, muitos arbustos secos que incomodavam por espetar, e ficava entre duas montanhas gêmeas que impediam os viajantes de saírem da estrada, diante dessas dificuldades, todos tiveram que descer das montarias e estavam seguindo a viagem a pé. O garoto não era acostumado a grandes caminhadas, principalmente como estavam fazendo, sem repouso e com marcha acelerada, Leon não queria parar para descansar, pois sabia que o tempo era precioso, precisavam chegar a Viseu o mais rápido possível, antes que a onda de destruição que Roderick produz fosse grande demais para ser contida.
— Por favor, mestre, vamos parar para acampar — disse o Adrian esbaforido. — Eu estou exausto, já está anoitecendo e ainda não vimos nem sinal dessa maldita cidade.
— Não seja preguiçoso, garoto — ralhou Leon. — Se depender de mim você vai andar até que seus pés sangrem, eu não treinei você para ser um maricas que reclama de tudo.
— Eu não reclamo de tudo, mas já faz doze horas que estamos caminhando, tivemos apenas um pequeno desjejum antes mesmo de amanhecer e já botamos o pé na estrada. Eu nunca fiz uma marcha tão forçada e não me lembro de você ter me ensinado a resistir a uma.
— Eu te ensinei a agir como um homem, não importando a situação, reclamações são coisas de crianças, o que eu prefiro acreditar que você não é mais. A marcha está sendo puxada para todos nós, mas eu só vejo você chorando como uma garotinha mimada.
— Leon — chamou um dos homens que estavam ajudando na travessia a Viseu, seu nome era Saul, ele era o líder dos outros sete, foi com ele que o chefe da cavalaria negociou o transporte até a cidade. — Temos que parar e montar acampamento.
— Você também? — indagou o velho com desdém.
— Sim, eu também quero que paremos, não que eu não aguente mais caminhar, mas essa região tem lobos maiores que porcos e atacam à noite. Eles atacam em grupo e podem fazer um estrago bem grande em homens cansados. Normalmente eles não atacam seres humanos, mas a comida está escassa por essas bandas e para não morrer de fome acredito que eles seriam capazes de atacar até mesmo um leão.
— Então, o que você sugere?
— Sugiro que façamos um acampamento, uma fogueira afastará os lobos e restaurará nossas forças.
— Uma fogueira também pode chamar salteadores — concluiu Leon.
— Eu não sei vocês dois, mas nós somos salteadores, se aparecerem outros, nós nos cumprimentaremos e compartilharemos a fogueira — disse Saul com deboche, ao que Leon teve que concordar. O velho odiava ter que trabalhar com foras da lei, mas, desde que Diógenes assumiu a coroa, a criminalidade acabou virando uma espécie de profissão regulamentada, era muito difícil evitar trabalhar com algum deles. Leon contratou Saul e seus homens por uma quantia exorbitante para o serviço que foi solicitado e prometeu a mesma quantia quando o serviço estivesse concluído, isso porque o velho cavaleiro sabia que pagar bem era o único jeito de fazer com que bandoleiros trabalhassem direito, também era praxe não pagar tudo de uma vez, pois adiantar-lhes o pagamento completo garantiria que, na melhor das hipóteses, eles abandonariam o serviço logo após terem recebido.
A fogueira foi acesa e todos descansaram ao seu redor. Adrian estava tão exausto que dormiu poucos segundos depois de jantar, os sete bandoleiros também dormiram, apenas Leon e Saul ficaram acordados, fazendo a vigília para evitar um possível ataque de lobos. A noite estava particularmente branda, o clima estava ameno, Adrian estava sonhando. Ele sonhava que era um rei. Estava em seu harém, muitas mulheres despiam suas roupas e puxavam-no para junto delas, quando, de repente, uma sombra negra começou a surgir e as mulheres correram para se proteger atrás de Adrian. Ele não tinha medo, puxou sua espada encantada e esperou o ataque da criatura, mas antes de atacar, a sombra começou a ganhar nitidez. Logo podia-se ver que era uma silhueta feminina, aos poucos Adrian começava a notar que conhecia aquela pessoa e, para seu horror, ele percebeu que ela só tinha uma perna, quase nenhum dente na boca, era mais enrugada que uma ameixa e estava nua. Era Madeleine, e ela queria usá-lo em práticas reprodutivas. Foi a vez dele correr apavorado, mas as belas mulheres do harém seguravam-no, impedindo que ele fugisse. Ele estava desesperado e a velha chegava cada vez mais perto. Ele clamava por socorro, debalde, ninguém aparecia para lhe salvar. As mulheres seguravam-no de costas para Madeleine, quando ela finalmente chegou até ele, começou a dizer promiscuidades em seu ouvido, ela pôs a língua para fora e colocou-a na orelha de Adrian, nesse momento ele acordou. Saul havia lambido seu dedo e colocado na orelha do garoto.
— Eca! Por que você fez isso? — perguntou o rapaz.
— Ah! Ah! Ah! — gargalhou Saul. — Me desculpe, mas não tive como resistir. Você estava falando sozinho e eu achei melhor te acordar.
— E o que eu disse? — perguntou Adrian com medo de ter revelado seu sonho.
— Você estava assustado e pedia socorro. Foi a história dos lobos, te deixou impressionado, não foi?
— Isso, foi isso mesmo — dissimulou o garoto.
— Não precisa se preocupar, eu inventei aquilo para que você pudesse descansar. Lobos não atacam seres humanos, muito menos em grandes grupos, creio que um lobo só atacaria seguramente um ser humano se ele estivesse ferido ou amarrado. Eu vi como você estava, se continuasse daquele jeito você desmaiaria.
— Nossa! Muito obrigado! — disse Adrian surpreso e verdadeiramente agradecido, há muitos anos ele não recebia nenhuma gentileza.
— Aquele velho é muito intransigente, mas não se preocupe, ele já foi dormir — realmente Leon já estava deitado junto com os sete bandoleiros.
— Nossa! Pensei que ele fosse ficar de vigília a noite toda.
— Conversa fiada — debochou o outro. — Ele é um velho, estava exausto, não ficou dez minutos acordado.
— Que salafrário — concluiu Adrian. — Ele sempre me força ao máximo e fica se gabando de ser o melhor, mas ele é só um homem comum.
— Todos nós somos rapaz, se alguém disser que é mais que isso, pode ter certeza que é mentira.
— Pois é isso que eu venho dizendo, ele fica endeusando esse tal de Roderick, mas acho que ele é só mais um homem.
— Ah, ah, ah! Acho que terei que me reiterar. O que eu deveria ter dito é: “todos nós somos simplesmente homens, menos Roderick, ele é Diabo”.
— Até você? — perguntou o rapaz.
— Para falar a verdade, se você me perguntasse sobre Roderick há algumas semanas atrás, eu teria outra opinião. É claro que eu já tinha ouvido falar dele, mas parecia uma lenda, ele não agia há anos e só as histórias dele eram contadas, mas eu acabei vendo com meus próprios olhos que até o Diabo fugiria daquele homem.
— O que você viu?
— Há uns dez dias atrás eu estava em um bar em Sálvia, o Refúgio do Bandoleiro. Sei que você não deve ter ouvido falar desse bar, mas ele é muito famoso em Catônia, era onde os mais perigosos criminosos do mundo estavam todos os dias reunidos. Nesse dia chegou um cavaleiro no bar, o que não era muito incomum, tem sempre algum degenerado de armadura que vai por lá, mas aquele era diferente, ele falava com pompa e ninguém lembrava-se de tê-lo visto por lá antes. Alguns bandoleiros começaram a debochar dele e ele ameaçou agredi-los. Todos nós estávamos surpresos com tamanho atrevimento vindo de um cavaleiro sozinho e cercado em um bar cheio de criminosos. Eu lembro-me que a briga começou quando um bandoleiro tentou acertá-lo na cabeça com uma caneca, ele revidou com um soco e a algazarra começou. Imagine dezenas de homens tentando atacar um cara sozinho e não conseguir. Ele nem mesmo sacou a espada, mesmo assim os homens caiam como frutas podres. O terror mesmo começou quando começaram a atacá-lo com espadas, ele se irritou e puxou a sua própria espada. Eu nunca vi tanto sangue em toda minha vida como naquele momento, pernas e braços voavam e não demorou muito para que os sobreviventes desistissem de atacá-lo. Por sorte, eu fui um desses.
— Isso é brincadeira? Você quer me dizer que um homem sozinho lutou e derrotou mais de uma dezena de criminosos.
— Eu realmente queria que fosse brincadeira, mas não é. Ele derrotou, na minha frente, Gegard, o bandoleiro mais perigoso que eu já ouvi falar, um desgraçado de 10 palmos de altura e um braço grosso feito um pilar, como se estivesse lutando contra uma criança. Eu estou me cagando de medo de levar vocês até ele, mas a grana que o velho me ofereceu foi muito boa, só espero que o Roderick não me reconheça quando nos encontrarmos.
— É difícil acreditar nas histórias que contam desse homem.
— Só é difícil até você o vir lutando, depois disso as histórias parecem que foram amenizadas. Vamos deixar o Roderick para depois, afinal, ainda falta muito para encontrá-lo. O que eu quero mesmo é descansar em uma boa cidade, espero que sejamos bem recebidos em Quendor.
— Quanto a isso, não precisa se preocupar. Enquanto estiverem comigo, serão bem recebidos em Quendor.
— Ah, é verdade, eu já ouvi falar que você é um bastardo do rei de lá.
— Eu não sou bastardo, sou Adrian, filho de Aldenor, herdeiro legítimo ao trono de Quendor.
— Que alívio, garoto. Isso vai nos livrar de um trabalhão.
— Pois é, será fácil encontrar ajuda que nos leve até Roderick.
— Eu não estava me referindo a isso, é justamente o contrário.
— Como assim? — indagou o garoto curioso com as respostas oblíquas de Saul.
— Eu não tenho a mínima intenção de me encontrar com aquele demônio novamente, o que nós íamos fazer era matá-los na saída de Isra, mas você disse algo que me chamou atenção. Quando estávamos naquele porão imundo você disse que era um príncipe e isso ficou na minha cabeça. Se ele for um bastardo não vale de nada, mas agora que sei que você é um herdeiro legítimo, vamos cobrar um resgate de seu pai, bem mais dinheiro do que aquele velho imundo ali nos tinha ofertado.
— Leon! — gritou Adrian desesperadamente, mas só quem se levantou foram os sete bandoleiros, como se estivesse fingindo dormir.
— O sono dele é mais profundo, garoto. Depois de receber um golpe na nuca, alguns homens costumam dormir por horas, alguns nem acordam mais — depois que Saul disse isso, Adrian finalmente notou que havia sangue na nuca de Leon.
— Por que você está fazendo isso?
— Por dinheiro, seu imbecil, pensei ter deixado isso bem claro — os homens riram daquela pilhéria e Adrian entrou em estado de desespero, ele até tentou correr, mas foi facilmente capturado. Os homens estavam amarrando seus braços e pernas, quando apareceu alguém, caminhando em direção à fogueira. Era Marcel.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou o recém-chegado.
— Marcel, seu cachorro — saudou Saul.
— Saul, seu filho de uma meretriz barata — retornou a saudação Marcel.
— Marcel! — gritou Adrian. — Eles nos capturaram e desmaiaram o senhor Leon, nos ajude.
— Eu mesmo não — respondeu o cavaleiro. — Por que eu arriscaria minha vida para defender um velho resmungão e um garoto fedorento?
— Seu desgraçado! — ainda teve tempo de praguejar Adrian antes de ter sua boca amordaçada.
— O que foi isso, Saul? Por que você está amarrando esse filho de uma prostituta.
— Porque, meu querido, a prostituta que é mãe desse inseto também é conhecida como a rainha de Quendor. Esse merdinha é o herdeiro legítimo do rei Aldenor, podemos pedir milhares de peças de ouro pelo resgate desse moleque.
— Boa ideia, mas você vai precisar da minha ajuda.
— Infelizmente, velho amigo, você não participará dessa partilha. Já tenho esses sete cachorros para dividir o ouro comigo, terá que procurar outro negócio para lucrar — os homens gargalharam.
— Você nunca vai conseguir sem mim — disse Marcel com segurança.
— E por que eu não conseguiria sem você? Não preciso de ninguém lambendo minhas bolas para que eu possa extorquir o rei daquele pardieiro.
— É aí que você se engana. Olhe bem para você, parece o aborto do cruzamento de um mendigo com um cão raivoso, e olha que você é o mais bem-apresentado de vocês oito. Como você pretende chegar até o castelo de Aldenor desse jeito? Acredita mesmo que ele vai te receber? E, na melhor das hipóteses, se ele for meio doidão e receber leprosos como você em sua presença, como você vai conseguir provar que está com o filho dele?
— Nós levamos o garoto até lá.
— Se você levarem o garoto até lá, eles te matam e tomam o garoto.
— Vou com uma adaga na garganta dele e só saio depois que eles me pagarem.
— Então eles te pagam e quando você entregar o garoto eles te matam e tomam o dinheiro.
— Tudo bem, senhor sabichão, então como você faria? — perguntou Saul se irritando.
— Você pode até ter esquecido, mas eu sou um cavaleiro de Catônia, o reino ao qual Quendor jurou servitude, ou seja, eles têm que me receber. Outro ponto importante que você, sua mula degenerada, não sabe é que o rei Aldenor entregou esse merdinha aos cuidados de Leon. Meu plano é o seguinte, eu levo o velhote até o rei, lá ele vai poder dizer que realmente estamos em poder do garoto, eu cobro o dinheiro e digo que soltarei o garoto um dia depois que eles me deixarem ir.
— Isso pode dar certo, mas tem certeza que vai precisar do velho? — indagou Saul.
— Claro que sim, o rei entregou o garoto pessoalmente nas mãos dele, se eu for sem o velho é capaz do rei não acreditar em mim, mas se o próprio Leon falar, aí sim ele vai ter certeza que estamos em posse do garoto.
— E se você levar só a cabeça do velhote?
— Isso só prova que eu matei o velho, não significa que eu estou com o garoto em meu poder. A palavra do velho vale muito, é a única coisa que tenho certeza que o rei acreditará.
— Então, tomara que ele não tenha morrido. Eu acertei o cabo da minha espada com toda minha força na sua nuca e não fui mais ver se ele estava respirando.
— Seu imbecil, vamos cuidar logo dele — dizendo isso Marcel foi até Leon e verificou se ele estava com vida. Os sinais vitais estavam fracos, mas o velho cavaleiro estava vivo, seu vigor era monumental para um homem de sua idade. Marcel estancou o sangue e fez um curativo com alguns trapos encardidos. O homem ia sobreviver.
Os bandoleiros resolveram comemorar a oportunidade de ouro que apareceu em suas portas, ficariam ricos. Marcel tinha dois litros da bebida do antigo rei Dioniso, um que ele roubara de Madeleine e outro que ele guardava há muitos anos, para uma ocasião especial, ele decidiu que seria essa. Deu um de seus litros para os bandoleiros e ficou com o outro para si. A bebida do antigo rei Dioniso era conhecida e apreciada no mundo todo, ela era famosa particularmente por sua capacidade fenomenal de embriagar rapidamente, pois ela era destilada de frutos de bontu, uma planta extremamente alucinógena. apenas comer o fruto já deixa um homem fora de si, misturá-lo com álcool era a garantia de ver unicórnios. Não demorou muito para que todos ficassem entorpecidos pelo seu efeito, brincavam e se divertiam imaginando que se tornariam lordes.
Marcel gargalhava e propunha brincadeiras, a maioria era de resistência a álcool. Os bandoleiros dançavam ao redor da fogueira. O litro do rei Dioniso acabou, mas os bandoleiros continuavam tomando as suas próprias bebidas. Saul estava muito feliz com toda aquela algazarra, ele se imaginava virando um rei. Em sua cabeça ele já tinha tudo arquitetado, depois de receber o dinheiro ele convenceria os homens a matar Marcel, para não dividir nada com ele, depois ele convenceria os outros que seria mais conveniente dividir o dinheiro por sete, depois por seis, cinco, quatro, três, dois, até que só ele ficasse vivo para usufruir do ouro. Tudo isso só seria possível graças a Marcel. De repente deu uma vontade grande de abraçar aquele filho de uma cadela e ele foi fazer isso. Chegou bem perto do cavaleiro e lhe deu um abraço, efusivo, entusiasmado, verdadeiramente feliz, mas, quando foi largá-lo, algo estranho aconteceu. Ele se sentia diferente, algo o estava incomodando, uma sensação esquisita no estômago. Quando olhou para a própria barriga percebeu que ela estava inundada de sangue. Marcel o havia apunhalado.
Saul não entendia o que estava acontecendo, sua barriga doía e o sonho de ser rei parecia cada vez mais distante. Marcel segurava em sua mão direita um punhal de um palmo, cheio de sangue. Traição! Era isso! Finalmente ele conseguiu fazer com que sua mente entorpecida entendesse que estava sendo traído, logo ele que já havia traído mais pessoas do que tinha em conta, morria agora por uma traição, a vida realmente era muito irônica. Os outros sete bandoleiros, com suas mentes fora da realidade, nem se importaram quando Saul caiu ao chão, continuaram cantando e dançando. Marcel aproximou-se de cada um e deu-lhes o mesmo presente que Saul havia recebido, apenas um se deu conta do que estava acontecendo antes da punhalada, mas estava tão embriagado que não conseguiu resistir ao golpe do outro.
Adrian estava amarrado e amordaçado, mas conseguiu ver tudo aquilo e teve medo, pois, logo depois que Marcel matou todos os bandoleiros, ele se dirigiu até ele. Ele vinha todo ensanguentado, com o punhal na mão e assobiando. Adrian tentava, desesperadamente, se libertar, mas só conseguia esfolar os pulsos. Marcel chegou bem perto do garoto com a intenção de mais uma vez usar o seu punhal.