Embora o recinto estivesse na
penumbra, Diógenes podia entrever que havia, pelo menos, quatro homens entrando
à surdina em seu quarto. Ele esperou, quieto, fingindo dormir. Ainda que não
trajasse sua armadura, ele não estava despreparado para lutar, seu escudo e seu
martelo de batalha estavam ao alcance de suas mãos, na cabeceira de sua cama. O
primeiro que se aproximou do tálamo carregava uma pequena adaga, ele até
esboçou uma possÃvel facada, mas não teve tempo, uma pesada martelada lhe
atingiu a face quando ele levantava a arma para desferir o golpe. A pancada foi
violenta, tão pesada que fez o rosto do homem afundar, o som foi alto e
asqueroso, como se um ovo gigante fosse arrebentado e todo o seu interior
sujasse a todos ao redor, nesse caso, não de gema, muito menos de clara, mas
sim de sangue e miolos. Os outros três que haviam entrado no quarto ficaram
assombrados, o susto lhes tirou a reação, grande erro que o bastardo não
perdoou e tomou a iniciativa para si. O martelo foi lançado em um dos homens,
dessa vez ele não atingiu diretamente a face da vÃtima, o que ele fez foi
dilacerar seu pescoço e sua clavÃcula. Os outros dois finalmente conseguiram
atacar, manejavam espadas, um deles desferiu um golpe vertical, que foi
prontamente defendido pelo escudo do rei, o bastardo usou tanta força para
defender o golpe que acabou quebrando a medÃocre espada do agressor. O outro
aplicou uma estocada que Diógenes não pôde defender, a espada perfurou seu
ombro, mas ele não mostrou nenhum sinal de dor. O rei contra-atacou, com seu
escudo, acertou o homem que o feriu, o equipamento era feito de puro aço, o
resultado foi bem semelhante ao do homem que levou a martelada na cara, mais
sangue e miolos voaram por todos os lados do quarto. O golpe matou o terceiro
invasor, mas abriu o flanco do bastardo para o homem que teve sua espada
quebrada, ele aproveitou-se da situação e golpeou o rei nas costelas com o
pedaço de espada que lhe sobrou nas mãos, fazendo um talho ensanguentado no
rei. Dessa vez Diógenes gritou, não de dor, pois ele sabia suportá-la com
dignidade, mas de raiva. Virou-se para o último agressor e, com sua mão esquerda,
segurou o pulso do homem, impedindo-o de atacá-lo com o pedaço de espada, já
sua mão direita foi direto ao pescoço do homem e agarrou-o com força. O invasor
se esperneou e, com sua mão que estava livre, atacava o bastardo com socos na
cara, tentando fazê-lo soltar sua garganta, debalde, todos os seus esforços
pareciam ao rei como ataques de criança, teve o pescoço quebrado antes mesmo de
perder a consciência pela asfixia.
Os quatro agressores estavam mortos,
Diógenes aproveitou-se disso para analisar sua situação. Alguém estava
planejando assassiná-lo, isso era claro, o que ele não sabia era quem. Será que
seus soldados estavam envolvidos? Se sim ele ainda estava em perigo. Seu estado
era razoável, o ombro não foi perfurado com grande profundidade, por isso o
movimento do braço não fora tão prejudicado, as costelas doÃam, mas a espada
quebrada não pôde lhe causar um ferimento fatal, era mais incômodo do que
perigoso. Ele calculou que ainda podia lutar, seus ferimentos não lhe
impediriam, mas, antes que pudesse recuperar o martelo que arremessou, mais
quatro homens invadiram seus aposentos, esses provavelmente estavam de vigia do
lado de fora, para impedir que qualquer um entrasse para ajudar o bastardo.
Dessa vez ele só poderia contar com o escudo para se defender.
O rei constatou, pelas suas
silhuetas, que, pelo menos, dois dos novos invasores eram tão grandes quanto
ele, um carregava uma espada bastarda enorme, o outro um machado de dois gumes.
Pelas suas experiências em batalha, provavelmente seria mais fácil começar
matando esses dois, pois, diferente dele, homens grandes normalmente são
desengonçados e suas armas gigantes, embora tenham grande poder de destruição,
são lentas, deixá-los por último pode vir a ser fatal. O terceiro usava uma
lança, uma arma estúpida de se usar em um assassinato à surdina, o bastardo
decidiu não se importar muito com esse antes do fim, mas o quarto se mostrava
problemático, pois ele carregava um arco. Seria difÃcil batalhar contra os dois
gigantes sem levar nenhuma flechada. Ele podia fazer duas coisas, a primeira
era arremessar seu escudo no arqueiro, mas isso faria com que ele tivesse que
enfrentar os outros três desarmado, os grandões poderiam ser tarefa difÃcil de
enfrentar sem o equipamento e até mesmo o imbecil de lança poderia lhe oferecer
riscos desnecessários, sem contar que ele poderia errar o arremesso, se o
arqueiro não morresse com o golpe do escudo, ele não teria chance de sobreviver
contra atacantes à curta e à longa distância sem um escudo; a outra solução era
afastar-se para trás defendendo-se com o escudo, os grandalhões provavelmente
viriam até ele e ofereceriam cobertura contra o arco e contra o retardado de
lança. A segunda opção se mostrava mais segura e o rei optou por ela,
afastou-se com o escudo em riste, prestando atenção na silhueta do arqueiro,
como previsto, os grandalhões investiram, ele preparou-se para arrebentar os
joelhos deles, mas, antes que pudesse atacá-los, eles caÃram no chão, mais Ã
frente o bastardo percebeu que o cretino da lança também estava caÃdo, apenas o
homem com o arco estava de pé, ele saiu do quarto e voltou, dessa vez com uma
tocha que iluminou o aposento, os três homens haviam recebido flechadas nas
costas.
— Agora que esses imbecis estão
mortos, nós podemos negociar — disse o arqueiro.
— Eu não costumo negociar com homens
que invadem meus aposentos e tentam me assassinar — falou o rei, sem esconder o
desprezo que ele sentia pelo invasor.
— Você pode me acusar de invadir seu
quarto, mas não de tentar te matar, se isso fosse verdade era bem capaz de eu
ser considerado o homem com a pior mira do mundo.
— Se você não veio me matar, então o
que veio fazer aqui, seu rato? — indagou o rei, que pouco a pouco perdia a
paciência.
— Eu vim propor uma aliança.
— Um rei não faz acordos com vermes
como você.
— Isso não é verdade e você sabe
disso. Eu sei que você tinha um acordo com Valentim, eu vim substituÃ-lo.
— Quem é você? E como sabe sobre
minha aliança com aquele desgraçado.
— Eu, meu senhor, me chamo Eduardo,
e agora, depois da sua ajuda, eu me tornei incontestavelmente o novo lÃder dos
bandoleiros.
— Como assim? O que aconteceu com o
traidor do Valentim?
— Ele está morto, eu assumi o seu
lugar.
— Se você é o novo lÃder dos
bandoleiros, então eu tenho mais um motivo para esmagar seu crânio. Vocês
quebraram o pacto e atacaram Catônia sem minha autorização.
— Foi você quem primeiro acabou com
o pacto, mandando Roderick invadir nosso esconderijo e matar nossos melhores
homens.
— Então foi realmente isso que
aconteceu? Eu suspeitava, mas foi você quem me confirmou. Embora eu não me
importe com sua opinião, saiba que não fui eu quem mandou Roderick invadir seu
esconderijo imundo, aquele maldito não pode mais ser controlado e está à solta
em uma missão de resgate.
— Eu imaginei que você não desfaria
um acordo tão lucrativo sem motivos, por isso resolvi vir aqui para lhe propor
novamente a aliança com os bandoleiros, nos mesmos termos que você mantinha com
Valentim, ou bem próximo disso.
— Não é assim que se propõe um
acordo. Você e seus amigos invadiram minha morada e tentaram me matar. Sabe o
que acho que aconteceu? Você viu que não conseguiria me matar e resolveu matar
seus aliados para me confundir. Eu não confio em você, nem na sua ladainha,
você só está querendo me distrair para enfiar uma flecha na minha garganta.
— Você não entende, mas o seu acordo
com Valentim sempre foi turbulento. Muitos bandoleiros não confiavam em você,
mas o Valentim sempre os convencia a não entrarem em conflito, agora que ele
morreu, esses homens declararam guerra contra você. Assim que Valentim morreu,
eu tentei me tornar o lÃder dos bandoleiros e fazer com que o acordo com Vossa
Senhoria continuasse do mesmo jeito que estava, mas esses sete desgraçados que
você me ajudou a matar, não confiavam mais em você, eles eram influentes com os
bandoleiros e os convenceram a atacar o reino e ignorar o acordo. Eu não pude
fazer nada a respeito, apenas seguir os outros. Depois que você começou a
retaliação, esses sete desgraçados resolveram te matar, por isso vieram aqui
hoje. Eu vim com eles para aproveitar que estavam juntos todos os bandoleiros
mais influentes do reino, uma vez que eu conseguisse matar a todos eles,
poderia virar eu mesmo o bandoleiro mais influente, o chefe, então eu poderia
buscar você e propor novamente o acordo.
— E quem te disse que eu continuo
querendo esse acordo? — disse o rei enquanto se aproximava do bandoleiro.
— É claro que você pode se negar a
aceitar o acordo, mas isso faria com que nós virássemos inimigos. Então eu
teria que cravar uma flecha na sua garganta, como você me sugeriu.
— Eu estou com meu escudo e estamos
muito próximos, não acredito que você consiga me acertar antes que eu bote as
mãos nesse seu pescocinho de frango.
— Faz sentido, mas calcule comigo.
Nessa sala têm, pelo menos, três homens que, se pudessem falar, diriam que
tenho uma excelente mira, ou talvez o fato deles não conseguirem mais falar já
prove isso. Para que se arriscar em um embate quando o acordo trará benefÃcios
para ambos?
— Valentim era esperto, conseguiu me
convencer, embora você também seja esperto, hoje eu vi como é perigoso deixar
que bandoleiros vivam e tenham um exército. Creio que é mais seguro me ariscar
a tentar te matar aqui e agora, do que fazer um novo acordo que pode eclodir em
outra catástrofe como a que aconteceu nos últimos dias.
— E se eu disser que, além do já
oferecido por Valentim no antigo acordo, eu também possa te oferecer o
paradeiro de Roderick?
— Você sabe onde ele está? —
perguntou o rei, finalmente mostrando interesse no diálogo com Eduardo.
— Não só o paradeiro dele, mas
também tenho pistas do paradeiro das suas mulheres.
— Isso é verdade?
— Sim meu rei, com essas duas
informações o senhor poderá ajudá-lo a completar sua missão, então ele estará
de volta, para onde não pode arranjar confusão.
— Se o que você estiver dizendo for
verdade, então temos um acordo.
— Sim meu rei, é a mais pura verdade. Agora o
senhor e os bandoleiros têm um novo acordo.