O vento brando batia de maneira
indolente nas pessoas, como se quisesse acalentá-las e divertir-se em conjunto
com elas. Algumas gotas de chuva caíram, mas o céu, em respeito à alegria que
se passava sob ele, ordenou que o mau tempo fosse embora. Uma multidão, formada
por praticamente todos os moradores de
Viseu, se reunia no centro da cidade, para comemorar a restituição de Ibraim.
Não que todos chegassem a amá-lo; na verdade, muitos o odiavam, mas em tempos
difíceis é sempre bom que haja comemorações, não importa se é para festejar o
retorno triunfante de um velho bastardo que há pouco você queria enforcar.
Você, monarca que pouco a pouco perde a linha do seu governo, faça como Ibraim:
não perca tempo dando dinheiro ou mesmo direitos aos seus súditos, faça-lhes
uma festa, eles saberão que estão sendo comprados, mas irão de qualquer jeito.
Adrian estava entusiasmado, não
participava de uma festa desde sua tenra idade, quando Diógenes o tirou dos
braços de sua mãe em prantos. Ele lembrava-se vagamente dela, sabia que era uma
mulher bonita, que tinha olhos verdes como os dele e que seus cabelos loiros
eram pintados de preto. Ele lembrava especificamente disso porque foi no dia em
que foi levado que ele pegou a mãe tingindo os cabelos. Ele lembra de ter
perguntado o porquê dela estar fazendo aquilo e ela respondeu que o pai dele
preferia assim, mas o porquê ela estava chorando ao fazer isso, até hoje ele
não sabe, provavelmente ela já sabia que iriam tomá-lo. O curioso é que aquela
noite tinha sido uma das mais divertidas de sua vida. Os bobos faziam suas
traquinagens. Havia guloseimas aos arroubos. Jogos dos mais diversificados eram
a tônica do lugar. Uma verdadeira festa. Isso até ele chegar. Não, ele não veio
só, estava acompanhado de pelo menos uma centena de cavaleiros, mas Adrian só
conseguia lembrar dele. Um gigante entre os que ali estavam. Seu cavalo era tão
grande quanto ele, os dois estavam cobertos por uma armadura tão cerrada que
era impossível distinguir algo de seus corpos. Foi só quando ele tirou o elmo
que o garoto pôde ver que era um homem, mas ele soube logo que era um homem
mau. Era nítido até para uma criança. Ele lembra bem que sua mãe o abraçava com
todas as forças e implorava, não para que Diógenes não o levasse, pois ela
sabia que aquele não era um homem que atendesse a apelos, mas para que seu
marido fizesse algo, debalde. O grande Aldenor se limitou a ficar calado
enquanto Diógenes esbofeteava sua mulher para tomar seu filho. Quando sua mãe
desmaiou, Adrian correu para seu pai, assustado. Aldenor se limitou a dizer:
“vá com esse homem, meu filho, agora você lhe deve obediência”. Assim ele fez,
não antes de olhar uma última vez para a mãe, estirada no chão, toda
arrebentada. Era essa a última imagem que tinha para lembrar-se de sua mãe e a
última atitude do pai.
— Que
merda você está fazendo aí, garoto? — indagou Marcel chegando perto de Adrian.
Ele estava sem blusa, tinha uma garrafa de bebida vagabunda em sua mão. Metade
do seu peito estava raspado, a outra metade estava pintada de azul. Seu rosto
estava vermelho de embriaguez.
— Ah, Marcel, eu estive te
procurando. Estava vendo a festa e me lembrei da minha infância.
— Não
perca tempo com lembranças agora, esse é o momento de fazê-las, não de
visitá-las. Pega. Beba um trago.
— Acho
melhor não, da última vez eu não me senti tão bem.
— Não
seja maricas, nunca é bom da primeira vez. Vamos, beba! — disse Marcel enquanto
enfiava o odre na boca de Adrian. O garoto tomou um trago, esteve muito próximo
de regurgitar, mas, com esforço, manteve a bebida no estômago.
— Essa
foi a segunda vez e foi ainda pior que a primeira. Isso tem gosto de urina de
cavalo.
—
Talvez tenha um pouco mesmo, mas não se preocupe, daqui para o fim da noite seu
paladar estará mais amaciado.
— Não,
para mim chega, o Leon nem gostaria que estivéssemos aqui nessa festa e você
deveria se cuidar melhor, já esqueceu do ferimento que quase o matou?
— Leon
que vá à merda, agora ele deve estar confabulando com o novo namorado dele, o
velhote Ibraim. Ele pouco se importa com o que faremos essa noite. E quanto a
este arranhão aqui, já está curado. O Alexey estava muito pior do que eu e já
está ali flertando com as viúvas Rocha.
—
Aquele cara foi de grande ajuda mesmo, não fosse por ele nós teríamos morrido
nas mãos desses aldeões aqui. Falando no Diabo, lá vem ele.
— Marcel,
Adrian! — disse Alexey efusivamente enquanto chegava perto dos dois. Ele,
embora ainda estivesse cheio de hematomas e feridas por todo o corpo da surra
que havia levado, era um homem muito
charmoso. Exalava uma sexualidade viril que fez Adrian entender o porquê dele
já ter seduzido metade das mulheres de Viseu. Ele havia se amigado muito de
Marcel, por uma clara afinidade boêmia — Meus queridos novos amigos!
— Alto
lá, canalha — disse Marcel simulando fúria. — Você não está sendo um bom amigo,
pois amigos dividem as coisas em uma festa e você está monopolizando aquelas
belezinhas ali.
— Quem,
as Rochas? Não por isso, vocês até me fariam um favor. Agora que os maridos
delas morreram, elas querem que eu assuma a fazenda e a responsabilidade por
elas.
— Muito
complicado, isso aí — disse Marcel.
— Pois
é, não quero ter responsabilidade com nenhuma delas, mas estou em um momento
delicado. Minha imagem está ruim na cidade, se eu abandoná-las agora é capaz
que eu volte a tomar uma sova, ou até mesmo seja levado para a forca.
— Que
enrascada você se meteu, hein, rapaz?
— Nem
me diga. Acontece que os deuses me deram dois novos amigos que me ajudarão.
— Não
sei, não, Alexey. Isso não está me cheirando bem — disse Adrian.
— Vou
ter que concordar com o cheira a fezes aqui. Me parece que você está querendo
fazer a gente de otário.
— Não,
não, não, meus amigos. Não estou querendo enganar vocês. Eu quero é enganá-las.
Eu tenho um plano, lembram que eu ajudei no plano de vocês?
—
Ajudou porque sua vida dependia disso.
— Sim,
esse é um bom ponto, mas me ouçam. Não é como se vocês não pudessem aproveitar
a situação. Eu estou com as três, evidentemente cada uma delas pensa que é a
única e que eu não fico mais com as outras duas, mas isso não vai poder durar
por muito tempo, cedo ou tarde elas vão me descobrir e vocês já viram o que o
povo dessa cidade pode fazer comigo. Eu passei a noite toda embriagando elas,
agora será muito fácil, até mesmo para o inexperiente Adrian, seduzi-las. O que
eu proponho é que cada um de vocês dois seduzam uma delas, então eu usarei isso
para poder brigar com as que vocês ficarem e só ficarei com uma. Depois vai ser
mais fácil me livrar de um relacionamento do que de três.
— O que
você acha, Adrian? Elas até que são bem jeitosas.
— Não
acredito que você está cogitando aceitar isso.
— Vocês, virgens, não têm tantas
necessidades como nós homens-feitos.
—
Você ainda é virgem, Adrian? — quis saber Alexey.
— Isso
não é da conta de vocês dois.
— Ou
seja, é! — gracejou Marcel.
— Vai à
merda.
— Não,
jovem Adrian, não precisa ficar enraivecido. Você é um rapaz novo, veja isso
como uma oportunidade. Ou por acaso você prefere rapazes?
— Eu
não disse isso, mas também não acho certo enganar aquelas donzelas.
— Ah,
ah, ah! — gargalharam Marcel e Alexey juntos.
— Do
que vocês estão rindo?
— Dessa
merda de papo de donzela — falou o cavaleiro.
— Desculpa, mas é isso mesmo. Você é
muito novo, ainda está muito iludido com essas historinhas de livros. Elas são
mulheres e nós homens. Quando nós podemos enganá-las, nós enganamos, pois
quando elas podem nos enganar, elas nos enganam. Elas mesmas enganaram os
finados maridos, lembra? Pare de querer ser santo e querer que elas sejam
também.
— É, vocês podem estar certos —
disse Adrian cedendo, mais aos instintos do que aos argumentos. — Mas tem uma
coisa. Vocês falam como se tivessem três opções, mas só tem a da garota e a da
mãe dela, que embora já seja madura, ainda é muito bonita. A velha é carta fora
do baralho. Como faremos para decidir?
— Para falar a verdade, a garota é a
mais ruim de cama — disse Alexey. — A velha realmente causa um pouco de
ojeriza, mas ela já visitou alguns templos das artes sexuais quando era mais
nova, então ela sabe alguns truques. A do meio também não é ruim, para falar a
verdade acho que ela é a melhor, por estar ali no meio termo entre habilidade e
ainda ter os resquícios da juventude.
— Você só pode estar de brincadeira,
a velha é melhor que a mais nova?
— Você ainda tem muito o que
aprender garoto — disse Marcel. — As mulheres que aprenderam alguma coisa na
época do rei Dioniso podem deixar qualquer um de joelhos.
— Eu ainda não consigo acreditar
nessa história de templos das artes sexuais — disse o garoto.
— Eu também nunca vi um, sou mais
velho que você, mas não tão mais velho assim. O que eu sei é que os mais velhos
contam coisas de deixar um homem babando — falou Alexey.
— Pois eu já entrei em vários quando
eu tinha mais ou menos a idade de vocês dois e garanto, história nenhuma pode
chegar aos pés do que acontecia por lá.
Mas isso foi há muito tempo, Diógenes destruiu todos.
— Se esse negócio era tão bom, por
que ele o destruiu?
— Porque ele é um filho da puta.
Aqui longe de Catônia eu posso dizer isso. Ele é um grande filho da puta que
não gosta de ver ninguém se divertindo.
— Eu gostaria de ter visto — disse
Alexey olhando para o alto e imaginando.
— Agora já foi. Escreva o que eu
digo, nunca vai haver um rei tão bom como Dioniso. O cara era o libertino
hedonista mais gente boa que já existiu no mundo. Ele era o herói do meu pai.
Mas já é passado, chega dessas reminiscências de maricas, vamos ao ataque.
Estava em dúvida entre a velha e a senhora, mas vou preferir a senhora mesmo.
— Tudo bem, eu posso ficar com a
velha, se eu tiver sorte, ela morre na cama mesmo.
— É sério que vocês não vão lutar
pelo direito de cortejar a garota? Ela é linda como um lírio. Pensei que vocês
estavam querendo me enganar para eu escolher uma das outras duas.
— Ela é muito bonita mesmo, mas
muito inexperiente, acho que o marido dela não gostava muito da coisa e a moça
é pouco praticada. Pode ser bom mesmo para você que está começando.
— Só tem uma complicação. Eu não sei
o que dizer a ela.
— Pelo estado de embriaguez que eu
estou vendo que ela está, não creio que você precisará dizer muita coisa, mas
por via das dúvidas, é bom que você se embriague também. Toma mais uma dose.
Calma, devagar. Caramba, você tomou metade do odre de uma vez só. Cuidado para
não vomitar na garota.
Os três foram em direção às Rochas.
Adrian ainda estava muito nervoso, pois a garota era linda como poucas que ele
já havia visto na vida. Seus cabelos eram escuros, ela tinha um par de olhos
também escuros, seu rosto tinha algumas sardas e um sorriso contagiante, um
pequeno sinal na ponta do nariz era a cereja do bolo daquele encanto bucólico.
Ele ainda não sabia o que dizer, então tomou o resto do odre de Marcel. As
palavras começaram a aparecer na sua cabeça, mas suas pernas já não eram mais
tão obedientes como ao chegar lá. A visão da garota, que era tão clara e encantadora,
começou a perder um pouco do foco. Logo ele foi embalado por uma doce
escuridão.
Acordou
com o Sol batendo violentamente na sua cara. Tudo girava e sua cabeça parecia
que iria explodir a qualquer momento. Demorou um pouco para perceber que estava
nu, em uma cama que não conhecia. O mais estranho. é que não estava só. Havia
alguém sob as cobertas. Embora se sentisse dolorido, enjoado e com sensação de
vertigem, ele se sentia um pouco alegre. Embora ele não tivesse admitido,
Marcel estava certo, Adrian era virgem e agora, mesmo que ele não se lembrasse
de nada, não era mais. Finalmente ele poderia parar com essas pilhérias que o
cavaleiro lhe proferia diariamente, pelo menos em relação ao ato. Ele olhou com
ternura para as cobertas e resolveu acariciá-la, quem sabe, se ela acordasse
com um agrado, eles não poderiam repetir a dose, mas havia algo estranho. O
corpo dela era esquisito quando ele a tocava por cima do pano. Inicialmente ele
imaginou que ela estava de vestido, mas isso era completamente sem sentido,
então ele decidiu remover o pano vagarosamente. Qual não foi sua surpresa ao
ver que não era uma mulher, mas sim uma cabra. Adrian deu um grito e
levantou-se de um salto. As cobertas caíram no chão e ele pôde perceber que a
cabra não havia acordado. Ela estava imóvel na cama. Seria possível que a
desgraçada estivesse morta? Ao aproximar-se para se certificar, notou que ela
estava viva, no entanto fedia como se não estivesse. O cheiro não era apenas de
um animal que não era lavado há dias, pois ela também exalava o cheiro
nauseabundo de bebida alcoólica de quinta categoria. A cabra estava desmaiada
de tanta bebida que havia ingerido. Ele já ia cobrir a cabra novamente quando
Marcel entrou abruptamente no quarto.
— O que
diabos é isso? — indagou Marcel enquanto Adrian tentava buscar alguns panos
para se cobrir.
— Não é
o que você está pensando.
— Longe
de mim julgar.
— Não
enche, você sabe que não aconteceu nada.
— Como
não aconteceu nada? Você está pelado na cama com uma cabra. E porque diabos ela
está tão quieta? Morreu?
— Não,
acho que ela está embriagada.
— Que
tipo de maníaco embriagaria uma cabra para poder se deitar com ela?
— Eu não fiz nada disso. Eu acordei
aqui, pelado e nessa cama com essa cabra. Eu não lembro de nada.
— Se você não lembra de nada, como é
que sabe que não abusou da cabra?
— Bem… É que… Sei lá Marcel, só sei
que não fiz. Eu nunca faria algo do tipo, você conhece a minha índole.
— Bêbados não têm índole, garoto.
— Para com isso, por favor. Eu não
abusei de cabra nenhuma — disse Adrian quase aos prantos.
— Já disse que eu não julgo. Agora,
se vista e vamos sair com urgência. Já perdemos muito tempo com essa história
de cabra e eu estou com sérios problemas.
— O que houve?
— Eu também não lembro o que
aconteceu ontem, acordei aqui nessa casa que eu nem sei de quem é ainda. Não
tem ninguém por aqui, só você e sua namorada.
— Namorada do Cão, minha não.
— Uhum, tô sabendo. Agora não é hora
para perjúrios, você vai ter que me ajudar.
— Diga logo o que aconteceu e pare
de implicar comigo.
— Minha espada desapareceu,
precisamos recuperá-la com urgência.
— Ah não, Marcel. Estou morrendo de
dor de cabeça, estou cansado e estou em um dilema moral sobre se fui ou não
culpado de abusar dessa cabra. Não vou te ajudar a procurar nada não.
— Por favor, Adrian. Eu preciso da
sua ajuda — disse Marcel, para a surpresa de Adrian. Ele nunca ouvira o
cavaleiro pedir nada educadamente e a voz dele parecia uma súplica. Ele pensou
em negar a ajuda, mas lembrou-se que o bastardo já havia lhe salvado a vida e
aquilo parecia realmente importante para ele.
— Tudo bem, deixa eu só achar minhas roupas que
eu vou te ajudar — o cavaleiro, para maior espanto de Adrian, fez uma
reverência e saiu para esperar fora do quarto. O que poderia levar Marcel, o
maior canalha que o garoto já havia conhecido, a agir daquela maneira? Mais
segredos? Quando é que eles iriam acabar? Suas indagações foram deixadas de
lado, pois a cabra acordou e não parava de lambê-lo.