Diógenes estava encurralado. A situação mais temida em toda a sua vida estava prestes a acontecer. Roderick estava à solta e havia a real chance de ele se voltar contra ele. É bem verdade que seu reino voltava a ter paz, uma vez que os bandoleiros voltaram ao seu comando; que ele tinha seu majestoso exército de cavaleiros, o maior e mais bem treinado de todo o mundo; e que o grupo mais mortal de assassinos queria aliar-se a ele, mas de nada valia isso diante de Roderick, disso ele tinha certeza.
A situação ainda não tinha escalado para tanto, Roderick ainda poderia estar do seu lado, poderia resgatar as mulheres e voltar. No entanto, no fundo, Diógenes sabia que isso era uma doce ilusão. Ele estava amaldiçoado e o pior cenário era o mais provável. Para ele, sempre que as nuvens estavam pretas, chovia e, dessa vez, elas estavam incrivelmente escuras. Será que finalmente a ameaça de Aurélio Roderick se confirmaria? Seria seu filho, Augusto, quem seria o carrasco no lugar do pai?
Aquelas perguntas martelavam na mente do rei e ele estava em tempo de enlouquecer com aquilo. A ameaça de Aurélio, feita em meio ao amontoado de milhares de corpos, ressoava diariamente no âmago de Diógenes, mas nos últimos anos ela se mostrava tão distante que ele ousou sonhar que ela não viria. Tolice, se um Roderick deu sua palavra a respeito de algo, cedo ou tarde esse algo deve acontecer.
A verdade é que Diógenes nunca quis ser rei. Ele era ambicioso? É evidente que isso é verdade, mas a ponto de fazer o que fez para tomar o trono? Isso não. Ele queria o respeito dos irmãos e não se importaria em esmagar o crânio de alguns deles, mas não de todos, alguns ele nem conhecia, eram irrelevantes para ele. O pai, esse sim ele odiava, principalmente porque ele sabia que o rei o amava. Um amor que mais poderia ser considerado a mais baixa comiseração. Dioniso tratava-o com o mesmo amor que se dá a mendigos e leprosos. O maldito rei era bom para com todos e para Diógenes só sobrava uma milésima parte de amor e consideração. Ele detestava ser desprezado por todos e tratado com compaixão pelo pai, mas a figura do velho rei lhe era importante. Ele almejava juntar um gigantesco exército e daí se tornar um senhor da guerra, calando assim a boca dos irmãos imundos e tendo uma real consideração por parte do pai. Seu plano não era matá-los, pelo menos não todos eles.
Tudo mudou naquele dia, quando Aurélio Roderick lhe disse: “Vai chegar o dia em que estaremos em lados contrários e será você quem conhecerá a minha lâmina”. Essa ameaça o circundou em todos os cantos, nunca mais uma noite de sono lhe foi tranquila. Uma promessa desse porte, feita por um homem capaz de matar milhares de pessoas, faz a pessoa cogitar. Era uma questão de tempo para que o pai deixasse de ter o pouco amor que tinha para com ele. Diógenes era mau, truculento e rude, todas as suas atrocidades caíam nas costas do rei Dioniso, que não era fã de violência gratuita. A verdade é que o bastardo sujava o nome do rei, qualquer dia isso teria um final, Dioniso poderia a qualquer momento decretá-lo inimigo, principalmente se fosse o pedido do seu mais poderoso guerreiro, Aurélio. Diógenes precisava encontrar um meio de fugir de Roderick, mas nada parecia plausível, até que lhe surgiu a ideia. A única pessoa que Roderick não poderia matar era o rei, então, ele tinha que tornar-se o rei de Catônia.
Era essa a única solução, tornar-se rei. Todos sabem que os Rodericks são obrigados a ter uma devoção servil ao rei, independente de quem ele seja. Esse é o mais importante código deles, está arraigado em seus cernes. Diógenes era herdeiro do rei, o décimo sexto na linha de sucessão, a única coisa que ele precisava era que todos os outros morressem. Parecia uma tarefa impossível, pois alguns eram protegidos pela elite da cavalaria de Dioniso, outros eram netos de reis de outras nações, também protegidos pela elite de guerreiros desse povo. Não é como se fosse possível encontrá-los todos em um local só para envenená-los, eles estavam espalhados pelo reino e fora dele, quando um morresse, logo saberiam quem mandou fazê-lo. O bastardo supunha que realmente era irrealizável, mas ainda assim era mais fácil do que derrotar Roderick.
Aparentemente o Destino é um deus curioso e maquiavélico, uma vez que não fosse por sua veleidade, Diógenes nunca teria conseguido se tornar rei. O certo é que o Destino sorriu para o bastardo e, no mesmo canto onde ele recebeu sua jura maldita, ele achou a solução para sua situação. No mesmo canto ominoso onde Aurélio Roderick matou todo o exército de Malquintam e fez a célebre ameaça a Diógenes, o bastardo encontrou um segredo ancestral. Desolado, após perder seus homens e ser ameaçado por Roderick, Diógenes se viu sozinho diante da imensa mansão de Malquintam. Ele estava meio perdido e aturdido, mas tinha consciência que precisaria de dinheiro para se restabelecer, então furtou um baú do tesouro do ishtaniano. O baú tinha algumas peças de ouro e alguns papéis ininteligíveis que o bastardo deixou de lado. Por muito tempo ele tentou achar um meio de conseguir matar todos os herdeiros, mas ele não tinha poder suficiente para isso. Ele não tinha um exército, ele não tinha ouro, ele não tinha espiões, em suma, ele não tinha nada além das ambições desmedidas. Como sequer falar sobre seu plano poderia ser motivo para seu enforcamento, caso fosse ouvido pela pessoa errada, era muito difícil encontrar alguém para auxiliá-lo. Diante de toda essa frustração, Diógenes teve um acesso de fúria em seu quarto, destruiu todos os seus móveis e, nesse ímpeto, acabou cortando seriamente a própria mão. Seu sangue escorreu pelo quarto e caiu por sobre os papéis ininteligíveis de Malquintam, o que fez surgir uma mensagem. Surpreso, o bastardo passou seu sangue por todos os papéis, esse era o segredo para revelar linhas ocultas. O que havia lá era o meio de se encontrar um grupo mítico, denominado Doença Mortal.
Diógenes estava diante do pergaminho que mostrava como contratar o grupo de assassinos mais letais e eficazes do mundo, nele havia a localização exata do grupo. O bastardo até cogitou que poderia ser uma história fictícia, mas diante de um mapa tão detalhado, ele se viu tentado a acreditar. A bem da verdade, ele ansiava que fosse verdade, pois aquilo seria sua salvação. Sem recursos e sem homens de confiança, ele mesmo teve que seguir o trajeto indicado pelo pergaminho. Demorou dois meses para que ele chegasse até o local indicado e o caminho foi tão difícil e inóspito que a história desse percurso sozinha seria digna de um livro, mas vamos nos ater ao foco central dessa história. Os assassinos eram reais e eles receberam Diógenes. Eles informaram que o grupo poderia matar qualquer pessoa pedida por Diógenes, menos um único tipo de homem. Não precisou que eles falassem para que o bastardo soubesse que eles falavam dos Rodericks. Muitos já haviam solicitado a morte desses poderosos cavaleiros no decorrer dos séculos, mas até a Doença Mortal sabia que isso era impossível, por isso eles nunca aceitaram essa tarefa.
Diógenes viu com os próprios olhos a força e a destruição que um único Roderick pode fazer, nem por um minuto ele imaginou que eles pudessem matá-lo, mas ele tinha esperança de que eles pudessem matar o rei e seus irmãos, e foi isso que ele pediu a eles. A Doença Mortal disse que era possível, mas que custaria muito caro e ele teria que seguir algumas regras. O dinheiro pedido por eles era tão exorbitante que poderia servir de soldo a cem mil soldados por dez anos. Diógenes não tinha tanto dinheiro, mas caso se tornasse rei ele poderia pagar por aquilo, mesmo que o reino fosse depauperado por aquilo. Os assassinos aceitaram a promissória do bastardo e lhe disseram as regras: nunca ninguém deve saber da existência deles; todos os alvos serão sumariamente executados, não sendo permitido que se volte atrás; eles nunca aceitarão um contrato contra um contratante, pois isso é um meio de respaldar o contratante; eles perseguirão as vítimas para todo o sempre, mesmo que seja necessário que até o último homem da Doença Mortal morra nessa tarefa. O bastardo aceitou e nomeou dezesseis vítimas: seu pai, o rei Dioniso; seus sete irmãos filhos de princesas de outros reinos; outros sete irmãos, filhos de burguesas nobres e ricas; e, por último, seu irmão, ainda bebê, tão bastardo quanto ele. Desses, o único que ele pensou em poupar, foi o bebê. Não que ele tivesse pena dele, isso não passou por sua cabeça, mesmo ele tendo um vínculo que ele preferia esconder com a mãe da criança, mas sim porque ele considerava um desperdício de fortuna. Dificilmente um bebê poderia tomar o posto de rei, mas era melhor prevenir do que remediar. Para se tornar rei, era imprescindível que não houvesse nenhum herdeiro vivo além dele, mesmo que fosse um bebê.
Assim aconteceu, o rei foi assassinado primeiro, oito facadas nas costas deram fim ao seu reinado, e todos os herdeiros foram encontrados mortos no dia seguinte, as mesmas oito facadas. As pessoas contam que o bebê ficou tão deformado que era impossível velá-lo com o caixão aberto, embora digam que ele não morreu por facadas, mas por um acidente. Todos supuseram que aquilo acontecia por ordem de Diógenes, pois era muito suspeito que todos os herdeiros tivessem morrido, menos ele. A população, que amava o falecido rei, se insurgiu. Eles queriam a cabeça do bastardo, mas foi impossível, Roderick estava do lado dele. O código de honra do cavaleiro obrigava-o a seguir o rei, como não havia outros descendentes, ele deveria proteger Diógenes. Uma pequena revolta logo foi sufocada diante do poder do cavaleiro, o bastardo então se tornou rei. Cargo que ocupa há vinte anos.
Inicialmente seu reinado foi terrível, com o reino empobrecido pelo gasto excessivo que ele teve, Diógenes viu um novo período de guerra surgir. Ele teve que saquear e pilhar seus antigos reinos parceiros para restaurar a riqueza do reino. Embora ele tivesse o maior exército do mundo e o cavaleiro mais temível, isso consumiu demais do reino. Principalmente porque ter um Roderick como aliado era uma bênção, mas também uma maldição. Após algum anos servindo a Diógenes, Aurélio Roderick morreu, alguns acreditam que por desgosto. O bastardo nem teve tempo de comemorar, logo o filho de seu desafeto, Augusto Roderick, passou a servi-lo. Augusto era tão poderoso quanto o pai, talvez até mais, e parecia guardar o rancor de seu pai para com o rei. Embora Aurélio tenha partido, o medo de sua ameaça ainda resistia na figura de seu filho.
Augusto venceu todas as guerras por Diógenes, mas isso sempre gerava mais guerra. Seu poder era maldito, sempre havia alguém querendo se vingar dele, suas lutas sempre causavam destruições irreparáveis. Mesmo sendo rei, Diógenes sofria diariamente por ter um Roderick como subordinado e sempre temia que um dia ele se voltasse contra ele. Há oito anos ele tinha conseguido deixar Augusto fora dos campos de batalha, como protetor de suas concubinas, mas depois que elas foram raptadas e ele foi resgatá-las, o medo da ameaça de seu pai voltava a assombrar o bastardo. Para piorar, um maldito fantasma do passado estava diante dele. Sentado em frente à mesa que estava torta devido à queda que ele mesmo tinha dado nela. Diante dele estava apenas um dos membros da Doença Mortal, os outros haviam ido embora, e o líder dos bandoleiros, Eduardo.
— Fala de uma vez, desgraçado! — falou Diógenes se exasperando. — Quem é o filho da puta que o Roderick está protegendo? E o que eu tenho a ver com isso?
— Já dissemos, um dos vossos alvos sobreviveu — respondeu o assassino. — Por algum motivo, Roderick está ao seu lado.
— Já disse que é impossível, porra! — atalhou Diógenes. — Sou rei há vinte anos justamente porque vocês mataram todos aqueles merdas. Se algum deles estivesse vivo, hoje eu não seria mais rei.
— Vossa Majestade tem certeza que quer conversar sobre isso na frente desse homem? — quis saber o assassino.
— Sim, o filho da puta é o líder dos bandoleiros, aparentemente é meu aliado. Também, se esse puto falar alguma coisa, ninguém vai acreditar nele e eu farei ele engolir as próprias bolas.
— Fico grato pela confiança e pelas palavras carinhosas — gracejou Eduardo.
— Não agradeça, estivesse em outra situação, eu quebraria sua espinha — disse o rei com desdém. — Não vou com a sua cara.
— Então eu sou grato por não estarmos em outra situação — disse o bandoleiro. — Pode continuar, senhor?
— Podem me chamar de Câncer — falou o assassino. — Não há engano, Vossa Majestade, um de seus alvos sobreviveu, para ser mais exato, o bebê.
O rei rapidamente empalideceu, como se a própria sombra do passado viesse importuná-lo.
— Isso não é verdade — falou ele incredulamente.
— Infelizmente, é sim. Ele sobreviveu, mas nunca veio atrás do trono porque não sabe que é descendente de Dioniso.
— MAS QUE PORRA! — gritou o rei enquanto esmurrava com toda a força a mesa, terminando de arrebentá-la. Ele gritava incessantemente e punha a mão na cabeça, desesperado. — Não é possível! Vocês não eram a porra dos mais condecorados assassinos? Como diabos vocês deixaram a merda de um bebê sobreviver?
— Sim, você está certo — disse o assassino visivelmente constrangido. — Nós também acreditávamos que ele estava morto, foi só recentemente que descobrimos que ele estava vivo.
— Diga que isso é mentira — praticamente implorou o rei.
— Nós gostaríamos muito, mas a verdade é que um dos nossos assassinos falhou. Aquele que foi incumbido de matar o garoto não o fez e ainda simulou o seu assassinato.
— Por que esse desgraçado fez isso? Esse merda teve pena do bebê? — praguejou o rei.
— Antes fosse isso. A verdade é que ele foi seduzido pela mãe do garoto, aparentemente ele trocou a vida do garoto pela carne da mãe.
— Então foi isso. Aquela maldita vagabunda. Eu deveria ter mandado matá-la também.
— Você a conhece?
— Infelizmente sim, eu a conhecia.
— Então sabe que ela era uma condecorada sacerdotisa do coito. Sei que não é desculpa, mas o homem enfrentou uma poderosa tentação, talvez a maior já existente: a da carne. Se nós soubéssemos quem ela era, teríamos tomado mais cuidado. Não teríamos mandado apenas um homem. Se bem que, pelo que o Gonorreia contou, ele teria seduzido quantos homens fossem. O mais seguro seria matar a criança à distância.
— Parece uma piada, que um assassino chamado Gonorreia tenha falhado por causa das pernas de uma mulher — falou Diógenes com ar meio fatalista. — Parece que vocês escolheram o homem perfeito para a tarefa.
— Como dito, não sabíamos que a mãe do bebê era uma sacerdotisa. Talvez, se Vossa Majestade tivesse nos contado.
— Ah, então agora a culpa é minha pelo fracasso de vocês? — inquiriu o rei.
— Não, mas que o seu silêncio contribuiu, isso é verdade — respondeu o assassino já mudando o tom de sua voz.
— Eu tenho nojo daquela mulher e, principalmente, vergonha da existência dela e do bastardo dela — falou Diógenes. — Eu prefiro nem ter que me referir a ela.
— Isso nos custou muito caro — atalhou Câncer com rispidez.
— Como eu poderia saber? Imaginei que se tratavam de profissionais, não de pervertidos sexuais.
— Vossa Majestade, mais do que ninguém, deveria saber da capacidade de sedução de uma sacerdotisa do coito, já que é filho de uma — aquilo foi o suficiente. Tão logo ouviu falar de sua mãe, Diógenes levantou-se furioso, agarrou o assassino pelo pescoço e o teria matado, não fosse o fato de Câncer ter apontado uma adaga diretamente em seu pescoço. Estaria morto antes de matar o outro.
— Retire o que disse — falou o rei apertando o pescoço do outro.
— Palavras não podem ser retiradas, rei. Faça o que deve ser feito e eu também o farei — disse Câncer encostando mais a adaga a ponto de verter sangue de Diógenes.
— O que é isso vocês dois? — indagou Eduardo entrando entre os dois para separá-los. — Nossa situação não precisa acabar desse jeito. Vocês dois mortos não é vantajoso para nenhum de nós três. Sejamos racionais. Deixemos de lado acusações e vamos juntos entender essa situação.
O rei largou o assassino.
— Repita o que disse e nem mesmo o diabo vai me impedir de te matar.
— Não é minha intenção morrer antes que minha missão esteja completa.
— Pois não há necessidade de conflito, senhores. Caro senhor Câncer, não há a necessidade de comentarmos a filiação de ninguém, nem discutirmos sobre coisas que não podemos mudar. Não importa agora o motivo do fracasso do assassinato, o importante é entendermos os pormenores. Quanto à Vossa Majestade, por gentileza, temos que agir como adultos nesse momento. É crucial que não tente enforcar a mim ou ao nosso caro colega assassino toda vez que falemos algo que não te agrade.
— E o que me impede? — falou o rei com desdém.
— O fato de você precisar de nós, seu desgraçado — falou Eduardo para a surpresa dos outros dois. Era hora de tentar uma estratégia diferente para com o rei — Chega dessa história besta de majestade. Você é um bastardo assassino e cruel, um cão imundo que não quer morrer tanto quanto eu. Nós três somos seres da mesma laia, fazemos o que é necessário para sobreviver e para termos o que queremos. Agora nós precisamos uns dos outros. Você pode vir com essa pecha de machão, mas já chega. Se você voltar a tocar em mim ou nesse outro camarada ali, pode contar como encerrado o nosso acordo. Ficar sempre refém do seu humor não me parece uma vida que eu queira levar. Se quiser, pode vir para cima, seu puto. Vamos ver quem mata quem.
— Você deve estar delirando — disse o rei apanhando seu martelo de batalha e se aprontando para uma luta. Câncer puxou suas adagas e Eduardo um espadim. — Vocês dois acham mesmo que vão sobreviver depois de me ofenderem desse jeito? Eu, o rei de Catônia, o homem mais poderoso do mundo.
— Eu tenho certeza — disse Eduardo com segurança. — Até porque, você pode até ser o rei de Catônia, mas com certeza não é o homem mais poderoso do mundo.
O rei titubeou.
— É justamente por causa do homem mais poderoso do mundo que estamos reunidos aqui hoje e a sua atitude não tem ajudado em nada. Enfrente-nos se quiser, você é forte, pode ser que nos mate, mas pode ter certeza que dentro em breve o seu carrasco vai chegar e não haverá canto no mundo onde você possa se esconder.
Diógenes não conseguia esconder o ódio que aquelas palavras lhe trouxeram, principalmente por se tratarem de uma verdade absoluta. Matar aqueles cães era perder seus últimos e mais preciosos aliados contra Roderick. Ele lutava contra seu brio para não matá-los, porém, o medo do cavaleiro falou mais alto. Ele largou o martelo de batalha no chão, puxou uma cadeira. Para ser sincero, ele preferia negociar com homens à sua altura, do que com bajuladores. Sentou-se e olhou diretamente para o Câncer.
— Vocês venceram, cães. Não os matarei. Diga-me, assassino, como vocês descobriram que o bebê não havia morrido?
— Nosso código de honra — disse Câncer enquanto também buscava uma cadeira para sentar-se. — Gonorreia morreu há alguns dias, mas, antes de morrer, ele nos contou tudo. Há vinte anos ele sofria com sua traição, ele ainda era devoto de nosso código de honra, mas estava enfeitiçado pela sacerdotisa. Não foi apenas uma traição momentânea, mas sim uma que perdura desde a época em que você se tornou rei. A sacerdotisa mantinha Gonorreia escravo de suas pernas, pois, sem isso, ele nos contaria tudo. Todavia, Gonorreia adoeceu, ele contraiu alguma doença venérea e estava às portas da morte. O tempo que ele passou longe da sacerdotisa foi o suficiente para que ele conseguisse forças para nos contar o que realmente aconteceu. Ele poupou o garoto, encontrou um corpo falso para substituí-lo e deixou o garoto em segurança em um mosteiro. Ele nos contou onde o garoto estava, mas o simples fato de trair a mulher a quem ele tinha devoção foi o suficiente para matá-lo.
— Que sua alma apodreça junto com seu corpo — praguejou Diógenes enquanto cuspia. — E o que vocês fizeram quando descobriram isso?
— Fomos matar o garoto. Descobrimos que o nome dele era Paulo e que ele havia se tornado um monge. Tentamos matá-lo algumas vezes, mas o desgraçado tem muita sorte. Tentamos envenená-lo, mas um rato bebeu sua sopa. Tentamos afogá-lo furando seu barco de pesca, mas o desgraçado conseguiu nadar até a margem. Tentamos incitar animais selvagens a matá-lo, mas ele acabou domesticando alguns deles.
— Eu não estou entendendo — disse o rei. — Porque vocês simplesmente não enfiaram uma flecha no olho dele?
— Porque você disse que a morte do bebê deveria parecer um acidente.
— Mas isso foi há vinte anos atrás. Hoje isso não tinha importância nenhuma. Ele é só um indigente que não sabe de onde veio, por que não matá-lo como um cão sarnento qualquer?
— Porque isso seria descumprir nosso acordo. Podem se passar vinte anos, mas nossa promessa é lei. Fomos ordenados a matá-lo como se fosse um acidente e é isso que nós temos que fazer.
Diógenes lutava para cumprir o acordo de não perder a paciência, mas aquela situação sobrepunha a sua capacidade. Ele fechou os olhos, inspirou fundo e lembrou-se de Roderick, a leve lembrança do cavaleiro já era forte o suficiente para segurá-lo. Ele então falou:
— Entendo. Então eu vou mudar o meu pedido, quero que aquele desgraçado morra de qualquer jeito, não importa como seja. Assim está melhor?
— Infelizmente não é assim que nós trabalhamos — disse Câncer. — Lembre-se das nossas regras. Não se pode voltar atrás em um pedido de assassinato, nem modificá-lo. Nós também queríamos terminar essa missão o mais breve possível, afinal ele era uma mácula na nossa história. Passamos quase duas semanas tentando assassiná-lo, mas nada dava certo. Finalmente perdemos a paciência e decidimos simular um suicídio. Juntamos um pelotão dos nossos melhores soldados, capturamos o desgraçado, levamos ele até o casebre dele e tentamos simular um suicídio por enforcamento. Estava tudo certo até que ele apareceu.
— O Roderick? — quis saber o rei.
— Sim, mas não fazíamos ideia que era um Roderick, ele não ostentava a armadura ou o escudo da família. Pensamos que era apenas um transeunte qualquer e decidimos matá-lo para não deixar testemunhas. Não preciso dizer que foi o mais terrível erro que já cometemos desde que nós fomos criados. Ele massacrou o batalhão e resgatou o Paulo.
— E por que ele fez isso? — indagou o rei.
— Não sabemos ao certo, inicialmente pensamos que ele havia sido mandado por você, para se vingar pela nossa falha, mas você já nos explicou que ele não estava em busca de nós, muito menos de Paulo. O que me leva a crer que foi uma coincidência, ele estava passando por lá, nós o atacamos primeiro e ele acabou protegendo uma pessoa que ele julgou ser inocente. Todavia, isso é apenas uma suposição.
— O maldito destino deve estar brincando comigo — falou o rei taciturnamente. — De todos os locais do mundo onde esse desgraçado poderia ter buscado minhas mulheres, ele acabou indo parar do lado de um dos descendentes do antigo rei Dioniso. É como se tudo se alinhasse para a palavra do pai dele se cumprisse. Uma vez que ele descubra que esse garoto é descendente do rei de Catônia, será uma questão de tempo para que ele faça de tudo para ele se tornar rei e vir tomar minha cabeça.
— Para nosso azar, Roderick foi um homem honrado durante o combate. Um dos integrantes do batalhão sobreviveu e Roderick permitiu que ele fugisse. Isso foi a nossa ruína, pois Chagas acabou marcando o cavaleiro e seu aliado com o selo da morte, a partir disso nós somos obrigados a matá-lo. Por isso vimos aqui, precisávamos esclarecer tudo e, caso possível, buscar ajuda nessa tarefa impossível.
— Você citou um aliado? — indagou o rei. — Não me disse que achava que ele não conhecia Paulo? Então acha mesmo que eles se tornaram aliados?
— Não estava me referindo a Paulo. Roderick estava acompanhado de um homem chamado Valentim — a menção daquele nome fez Eduardo estremecer.
— Então Roderick estava com um homem chamado Valentim? — indagou o bandoleiro.
— Foi o que eu acabei de dizer, por acaso está surdo? — disse Câncer irritado com a trivialidade.
— Eu precisava confirmar a situação — disse o bandoleiro. — Está vendo, Diógenes? A situação é até pior do que pensávamos. Eu acreditava que Valentim havia sido morto por Roderick, mas eles se aliaram.
— E o que tem isso? — quis saber o rei.
— Tem que, com Valentim vivo, o controle dos bandoleiros pode ficar em risco. Eu sou o novo líder, mas nem todos gostam de mim. Os possíveis sucessores de Valentim, os bandoleiros mais influentes, estão todos mortos, eu garanti isso. Me tornei o líder e não havia ninguém que pudesse me tomar o cargo, mas com Valentim vivo, isso muda de figura. Ele é um desgraçado muito esperto, pode fazer com que os bandoleiros se dividam. Ele, como antigo líder dos bandoleiros, sabe convencê-los bem. Se ele voltar para o reino, ao lado de Roderick e de um possível novo rei, não vai demorar para que os bandoleiros migrem para o lado deles.
— Mas isso é uma infinidade de notícias ruins — disse Diógenes. — Você tem certeza que esse homem chamado Valentim é aliado de Roderick.
— Sim, após o ataque seguimos eles à distância. Os três acamparam juntos alguns dias e o rastro indicava que eles seguiram caminho até o mosteiro onde Paulo morava.
— Por quê? — quis saber o bastardo.
— Não sabemos. Não conseguimos nos aproximar demais, aparentemente o cavaleiro sabia quando estava sendo seguido. Um de nossos homens se aproximou quase mil pés dos três e uma flecha foi arremessada ao seu lado. Pensávamos que era coincidência, mas ao aproximar-se mais um pouco, outra flecha acertou seu olho. Entendemos que era uma ameaça, qualquer um que se aproximasse mais que aquilo seria alvejado.
— O desgraçado está sempre a postos — concluiu Diógenes. — Diga-me uma coisa, qual é o paradeiro deles agora?
— Não sabemos, pois houve uma coisa extraordinária.
— Mais uma? — perguntou o rei incrédulo.
— Sim, para falar a verdade, ainda não entendemos como aconteceu. Nós os seguimos até o mosteiro. Inicialmente relutamos em nos aproximar, uma vez que podíamos levar uma flechada, mas, aos poucos fomos chegando cada vez mais perto e nenhuma flecha veio. Decidimos ir até o mosteiro. Era uma construção gigantesca, mas tinha algo absolutamente errado lá.
— O que seria?
— Não havia ninguém no mosteiro. Nenhuma alma viva sequer, nem mesmo eles três que nós estávamos seguindo. Eles tinham desaparecido. Estávamos cercando eles, tínhamos homens em todos os arredores da montanha, não tinha como eles terem sumido, mas, mesmo assim, sumiram.
— Que tipo de inferno é esse? — indagou o rei ainda incrédulo.
— Não fazemos ideia, nunca vimos nada parecido antes. Revistamos todo o local, não havia ninguém, porém, havia muitos indícios de que o local era habitado. Tudo indicava que tinham muitas pessoas lá, todavia, embora tenhamos procurado incansavelmente, nada achamos.
— Vocês têm certeza que eles foram para lá? — quis saber Eduardo, também estarrecido com o que ouvia.
— Somos muito bons no que fazemos, senhor bandoleiro — disse o assassino com desdém. — Embora tenhamos falhado em dar cabo do garoto, isso foi uma situação extremamente peculiar. É extremamente vergonhoso para mim ter que me explicar a alguém de sua laia, mas sim, temos certeza. Achamos os cavalos deles e suas roupas.
— Roupas? — ficou curioso o bandoleiro.
— Sim, as roupas. Achamos as roupas de Roderick e Valentim, também achamos os cavalos deles. Eles foram para lá, mas simplesmente desapareceram.
— Eu nem sei mais como me surpreender com toda essa história — disse o rei. — Não sei mais o que fazer.
— Vimos aqui em busca de apoio e respostas — disse o assassino.
— Apoio no quê, desgraçado?
— Você sabe muito bem — disse o assassino.
— Ele tem razão, Diógenes — falou o bandoleiro. — Nosso próximo passo só pode ser um.
— Não acredito que estejam cogitando isso — falou o rei.
— Não é só uma cogitação, é o que deve ser feito — disse Câncer. — Nós temos que liquidar Augusto Roderick.
— Tolice.
— Ele tem razão, Diógenes. Não há outro meio.
— Seus imbecis! — gritou o rei. — Ele é a porra de um Roderick. Vocês comeram merda? O que estão me propondo é impossível e vocês sabem bem disso. A melhor chance que temos é matar esse tal de Paulo antes que ele se torne mais perigoso.
— Sim, Paulo deve morrer — falou o assassino. — Todavia, ele está sob a proteção de Roderick, será impossível matá-lo sem enfrentar o cavaleiro. Mesmo que consigamos, nós ainda precisamos matar Augusto Roderick e Valentim, pois nós os marcamos para a morte.
— Ele tem razão, Diógenes. Enquanto Paulo e Valentim estiverem vivos, nós não estaremos seguros, para eliminá-los, precisaremos dar fim ao Roderick.
— É mais fácil sorver a água de um rio de um gole do que fazer o que vocês me sugerem. Se me chamasse para apagar o fogo do sol, eu iria com mais segurança do que fazer isso.
— Você tem um exército de cavaleiros, eu tenho um exército de assassinos. São milhares de homens.
— E eu tenho um exército de bandoleiros. Eles são apenas três.
— Inútil. Números não significam nada diante daquele homem. Eu já vi com meus próprios olhos.
— Ele realmente é muito poderoso, Diógenes, nós também já sofremos com sua força. Ele matou um destacamento inteiro de assassinos sem se arranhar, mas estamos falando de três exércitos. Mais de duzentos mil homens atacando ele ao mesmo tempo. Se cercarmos ele de todos os lados, mesmo o poderoso Roderick não poderá se defender.
— E por que ele se deixaria ser cercado, seu animal? — indagou o rei com brutalidade. — Vocês não entendem como a mente dele funciona. Um Roderick nunca é pego desprevenido, eles nunca são cercados e sempre têm um plano. Ele quem cerca o exército, aos poucos ele vai destruir a moral dos homens e ninguém vai querer enfrentá-lo. Sem contar que é muito comum que homens desertem para o seu lado.
— E o que você sugere? — perguntou Eduardo. — Estamos na mesma enrascada, precisamos de soluções, ou então eles vão aparecer e nos trucidar.
— Você é um rei poderoso, Diógenes — falou Câncer tentando ser pragmático. — Você deve conseguir bolar alguma coisa. Nós temos muitas ferramentas do nosso lado. Superioridade numérica, dinheiro e influência política. Deve haver um meio.
— Mas não há. Para falar a verdade eu esperava que vocês me ajudassem, por isso eu não lhes arranquei a cabeça, mas vejo que foi inútil. Vocês são dois pedaços de lixo inúteis que me deram a pior ideia possível. O último que me deu uma ideia semelhante não teve tanta clemência da minha parte, mas isso foi em outro dia. Hoje eu já me sinto seguro da iminência de ter Roderick como meu inimigo e, portanto, sou um homem morto. Nem o diabo seria capaz de enfrentá-lo — mal o rei terminou de proferir esse lamento, as luzes do salão se apagaram. Todas as tochas foram apagadas simultaneamente tornando tudo um breu. Os três homens armaram-se.
— É o seu grupinho novamente, assassino? — indagou Diógenes com desconfiança.
— Não — respondeu secamente o assassino. — Esse lugar é seguro?
— Deveria ser — disse o rei tentando achar uma pilastra próxima para tentar reacender uma tocha.
Um grito ecoou pela sala. Uma espécie de grito de desespero, tão lastimoso e assustado que trouxe este sentimento a todos que o ouviram. Ele parecia vir de todos os lados e, ao mesmo tempo, de canto nenhum. A voz era a de uma mulher, ou muitas delas, dando o mesmo grito em uníssono. Uma névoa espessa começou a surgir do chão próximo a cada um dos três homens, ela possuía uma fraca iluminação, mas era o suficiente para fazer com que a figura dos três ficasse à mostra. Todo o recinto estava no escuro, exceto no local onde cada um dos três homens estavam, pois a misteriosa névoa os iluminava. No centro da sala começou a surgir uma nova névoa, pelo menos duas vezes maior que a suficiente para cobrir um homem normal. A tensão era crítica, Diógenes segurava seu martelo de combate com tanta força que seus dedos começaram a sangrar; Câncer acocorou-se, numa tentativa vã de se ocultar, mas que já estava enraizada nos seus hábitos; e, por último, Eduardo, que estava armado, mas, com certeza, fugiria tão logo soubesse a localização exata de quem, ou o que, fazia aquilo.
Aos poucos algo começou a distinguir-se de dentro da névoa. Cornos enormes, maiores do que qualquer touro pudesse ter, apareciam diante dos olhos temerosos daqueles homens e indicavam que uma gigantesca criatura era dona deles. O instinto primal de segurança nos três agiu ao mesmo tempo e eles tiveram a mesma ação: arremessaram suas armas à distância naquela aberração que surgia. O que aconteceu depois fez até os mais corajosos crápulas do mundo tremerem dos pés à cabeça. O martelo de Diógenes, a adaga de Câncer e o espadim de Eduardo, pararam em pleno ar, como se estivessem sendo segurados por mãos invisíveis. Eduardo não perdeu tempo tentando entender aquilo e tentou correr para um canto onde ele julgava ter uma janela, mas antes que conseguisse afastar-se totalmente da névoa que lhe cobria, uma espécie de sobra em formato de mãos segurou seus pés no chão, fazendo-o cair. Câncer tentou subir uma pilastra para abrigar-se no teto, mas as mãos envolveram-no, também derrubando-o no chão. Diógenes, por sua vez, resolveu investir contra o que quer que se formasse naquela névoa, tentaria esmagá-la, nem que fosse a última coisa que fizesse, mas as sombras também vieram segurá-lo. Foi necessário o dobro de sombras para tanto e elas não conseguiram derrubá-lo, apenas prenderam-no.
Uma figura demoníaca começou a surgir totalmente. Era bípede, mas suas pernas lembravam as de um bode. Possuía duas asas semelhantes às de morcegos. Um corpo gigantesco e musculoso, até mais do que o de Diógenes. Sua cor era avermelhada e ele trajava apenas uma espécie de saiote de couro. Era grande e imponente, a sua mera aparição fez o coração dos três disparar em desespero. Todo aquele espetáculo dantesco só era amenizado por uma coisa: a criatura estava ferida, muito ferida. Seu olho esquerdo estava perfurado, vazava sangue e pus. Suas asas pareciam partidas e estavam rasgadas em vários pontos. Diversos hematomas cobriam o corpo do monstro e sinais de perfuração marcaram seu abdômen. O monstro olhava para Diógenes fixamente e o rei não conseguia não retribuir o olhar, Eduardo e Câncer nem tiveram a oportunidade de dizer nada antes de terem suas bocas tapadas por mais mãos sombrias.
— Monstro imundo — gritou o rei tentando debalde se libertar. Ele estava acuado, mas aquela incapacidade o enfurecia mais que qualquer outra coisa — Não pense que vou recompensá-lo com meu medo. Se veio buscar minha alma, veio no momento certo, já não tenho mais como continuar vivendo.
O demônio gargalhou e, com um gesto seu, um par de mãos veio tapar a boca do rei. A criatura não conseguiu rir por muito tempo, logo começou a tossir e não conseguiu parar. Sua tosse era acompanhada de sangue e vísceras. O demônio caiu de quatro no chão. Suas asas foram desaparecendo, ele foi diminuindo de tamanho. Sua cor foi tornando-se de pele, uma longa manta passou a cobrir seu corpo e, aos poucos, ele foi adquirindo a aparência de um humano. A de um bem velho, com longos cabelos e barba branca. As sombras que prendiam os três homens desapareceram. Magicamente, as tochas voltaram a acender-se e o recinto iluminou-se. Por fim, as armas que levitavam caíram ao chão. Somente a figura do velho diferia da sala antes daqueles acontecimentos sinistros.
Diógenes correu e pegou seu martelo, sua intenção era matar o velho antes que ele pudesse se tornar aquela criatura novamente, mas ao levantar o martelo, viu o velho gesticulando e implorando por tempo. Ele tentava falar, mas sua voz não saía. Apenas sussurros roucos e seus dedos desesperados em sinal de negativa, mostravam que ele implorava para ser poupado.
— Por que eu pouparia você, bruxo velho? — indagou o rei dando uma última chance ao homem se explicar. O velho vasculhou uma coisa nos bolsos e, depois de alguns instantes, achou um pedaço de pano. O velho, ao mostrar o símbolo que escondia, deixou o rei empalidecido e trêmulo, derrubando até mesmo seu martelo ao chão. O símbolo da casa de Augusto Roderick estava estampado ali.
— O que significa isso tudo? — quis saber o rei.
— Eu me chamo, Ifnir — disse o velho muito baixo e roucamente.
— E eu me chamo, Magog — disse o mesmo velho, mas com a voz da criatura e com o rosto transfigurado. Os três tentaram armar-se novamente. — Não temam, não somos seus inimigos.
— Do que você está falando, abominação? — indagou o rei.
— Estou dizendo que nós vimos aqui para nos aliarmos a vocês — disse o velho com a voz humana novamente, mas já um pouco mais alta. — Nós temos contas a acertar com Augusto Roderick e vocês serão de grande ajuda.