O caminho era longo, foi o que lhe disseram, no entanto, para ele, passou muito rápido. Adrian estava ansioso e temeroso, se lhe perguntassem o porquê, ele não saberia dizer exatamente. Vendo-o de longe é mais fácil descrever o que se passa em seu âmago; logo, para mim é mais fácil, então o farei.
Faz oito anos que ele não pisa na própria casa, era uma criança quando foi arrancado dos braços da mãe, agora era um homem, pelo menos era assim que ele supunha ser. Nos primeiros anos ele chorava todos os dias, a falta da mãe lhe era sufocante, todavia, com o passar do tempo e com a rudeza do tratamento de Leon, ele passou a aceitar a distância. Ele lutou muito para esquecer e a verdade é que ele realmente esqueceu. A lembrança da mãe era boa, mas só. Do pai ele recordava pouquÃssimo, era um homem distante em relação ao filho. Desejava diariamente voltar para casa, mas não lembrava bem o que era sua casa. Sabia que era um castelo, sabia que tinham muitos jardins e um grande lago, mas nada disso lhe era mais familiar. A sensação é que tudo aconteceu em outra vida. Agora que finalmente voltava para lá, não tinha mais a sensação de estar voltando para casa. Tinha medo de que seus sentimentos estivessem aparentes e que seus pais se sentissem ofendidos por não serem mais o centro de sua vida. Tinha medo de ser apenas um estranho invadindo o lar. Estava ansioso para chegar logo, mas, ao mesmo tempo, adoraria que o caminho fosse infinito. Marcel era um filho de uma meretriz, mas fazia falta ter alguém com quem conversar; preferia que ele estivesse alÃ, mesmo que fosse apenas para rir de seus temores.
Esse era o estado de espÃrito do garoto, já o seu estado fÃsico era tão deplorável quanto. A luta contra Gegard fora há pouco mais de seis dias, no entanto, os danos ainda permaneciam. É bem verdade que ele sofrera muito menos que Marcel, mas, ainda assim, estava bem machucado. Sua cabeça estava bem ferida, a concussão quase lhe arrebentara o crânio e todos os seus ossos pareciam estar inflamados. Adrian gostaria de ter ficado em Viseu alguns dias para melhorar antes de viajar, mas Leon fora enfático ao dizer que ele deveria ir na frente por algum motivo que ele não soube explicar bem, ou mesmo não quis fazê-lo. Ibraim cedeu alguns de seus homens e o garoto foi na frente.
Como já foi dito, os seis dias passaram muito rápido. Os homens de Ibraim conversavam pouco e cavalgavam rápido. A viagem não teve complicações e a capital do grande reino de Quendor logo estava à vista de Adrian. Ali estavam seus pais e um passado que ele pouco ou nada se lembrava. Não tinha ideia do que falaria ao chegar lá. Mais uma vez desejou que Marcel estivesse lá. Eles estavam em busca de Roderick, o mais poderoso dos cavaleiros, o plano inicial era buscar auxÃlio do rei Aldenor, seu pai, mas, aparentemente, Leon estava com outro em mente. Como já dito, ele não explicou bem, mas deixou claro que o garoto deveria ir na frente, pois alguns mensageiros iriam chegar de todos os cantos do mundo e ele, por algum motivo que lhe era escuso, deveria estar lá.
O castelo se estendia por centenas de metros e suas paredes pareciam ter pelo menos uma centena de pés. Vários soldados armados com arco e flecha vigiavam em guaritas. Toda a planÃcie ao redor do castelo tinha homens em alerta. Logo uma pequena guarnição veio interpelá-los.
— Alto — disse um dos cavaleiros. Ele aparentava ser o lÃder de oito homens. — Quem são vocês? O que desejam no Castelo Andelor?
— Eu sou, Adrian, filho de Aldenor, prÃncipe de Quendor e herdeiro de Andelor — disse o garoto exalando arrogância, esse talvez fosse seu maior defeito. Embora ele tivesse amadurecido muito nos últimos tempos, ainda havia nele um pouco de prÃncipe mimado — Leve-nos à presença do rei!
— Tolice, o prÃncipe Adrian é refém em Catônia — disse o homem contestando o garoto.
— Eu não era e nunca fui um refém, era hóspede na casa do rei Diógenes. Fui educado e treinado pelo próprio chefe da cavalaria catoniana. Aqui estão os pergaminhos que comprovam a minha missão, um foi emitido por Leon, outro pelo prefeito Ibraim de Viseu — Adrian mostrou os selos nos pergaminhos e isso foi suficiente para que todos baixassem as cabeças em sinal de respeito.
— Perdoe-me, Vossa Alteza. Há muitos anos você foi levado, por essas bandas sempre aparecem charlatões. Não foi minha intenção duvidar.
— Não posso culpá-lo por fazer o seu trabalho — falou Adrian mostrando que não era mais o mesmo de alguns capÃtulos atrás. Para ser mais exato, ele até estava um pouco envergonhado de ter falado com aqueles homens daquele jeito. Provavelmente eram bons soldados, poderiam beber e lutar ao seu lado, assim como Marcel. Cada um deles deveria ter um jeito de ser, um poderia ser brincalhão, outro poderia ser mais sisudo. Agora o garoto sabia que eles tinham a sua importância. Adrian acompanhou-os.
— O que está havendo aqui? — quis saber o garoto. — Parece que vocês estão se preparando para uma guerra.
— Para ser sincero, Alteza, nós esperávamos que você nos dissesse — falou o lÃder daqueles cavaleiros. — Os rumores estão correndo soltos, mas nada concreto. Os comerciantes e andarilhos que vêm por aqui têm dito que está ocorrendo uma guerra civil em Catônia. Que homens estão sendo crucificados a torto e a direito. Falaram, inclusive, que já houve casos de insurreição aqui em Quendor, justo na nossa cidade mais pacÃfica, Viseu. O rei Aldenor está assustado com esses rumores. Ele tem medo de uma nova guerra, por isso o estado de alerta dos soldados. Como o senhor vem de Catônia, esperávamos que soubesse de algo. Principalmente porque veio de Viseu, como a carta de Ibraim confirma.
— Então é isso que alarma meu pai? — disse Adrian de forma retórica. — Desculpe, mas não lembro o seu nome.
— Perdão, Vossa Alteza, erro meu. Eu sou Sarto, filho de Sarlos, chefe do décimo terceiro pelotão de cavaleiros de Quendor. Vossa Alteza não deve se lembrar de mim, pois eu ainda era um recém proclamado cavaleiro quando Vossa Alteza foi levada à Catônia.
— Não se preocupe, eu que me esqueci de perguntar — disse o garoto de maneira apaziguadora. — Para ser sincero, não lembro de muitas coisas. Eu tinha oito anos quando saà daqui. Tem pouca coisa que eu me lembre, talvez um ou dois nomes. O bobo, Tirésio, ainda está por aqui?
— Não, ele morreu há uns dois anos, engasgou-se em uma apresentação. O filho dele é um dos bobos atuais do rei. Seu nome é Trácio.
— Me lembra vagamente, mas não posso dizer com certeza. Gertrudes, a cozinheira, ainda está?
— Essa sim. Ela é a chefe da cozinha do castelo, tudo o que comemos é fiscalizado por ela. Os soldados lhes são gratos, se dependêssemos das outras bruxas que cozinham para o rei, estarÃamos comendo imundÃcies.
— Sim, lembro dela. Fazia-me boas guloseimas. Talvez ao chegar consiga me lembrar de outras pessoas. Quanto ao que me perguntou, realmente eu terei muito o que falar sobre o que está acontecendo em Catônia. Não é bem uma guerra civil, mas a cidade está um caos. Todos atribuem isso a um homem chamado Roderick — Os soldados estremeceram, Sarto não conseguia esconder o espanto.
— Então o poderoso Roderick está em ação? — perguntou entre dentes.
— Você o conhece? — quis saber o garoto.
— Apenas por reputação. Ele foi o responsável pela morte dos antigos generais de vosso pai. Não me espanta que todo esse alvoroço tenha se espalhado, se ele é o responsável, é bem capaz que as histórias tenham sido amenizadas.
— A fama dele é incrÃvel, realmente. Também não o conheço pessoalmente ainda. Estou no seu encalço, junto ao meu mestre, Leon. Pelo menos foi essa a missão que nos foi dada pelo rei Diógenes.
— Vossa Alteza é muito corajosa. São poucos os homens que teriam coragem de aceitar uma missão dessa.
— Estou começando a acreditar que subestimei em demasia as dificuldades dessa missão. Pode me chamar de burro, então.
— Eu nunca diria tal coisa.
— Mas imaginou, eu sei — disse o garoto enquanto sorria. — Você não será o primeiro, nem o último que pensou assim. Nos últimos dias eu passei por um combate de vida ou morte, depois disso eu tenho pensado muito na fragilidade das coisas. Quero você do meu lado quando chegarmos ao meu pai, assim poderá saber o que realmente está acontecendo.
— Como desejar, Alteza — anuiu o cavaleiro com a cabeça.
Eles continuaram até o portão principal. Uma gigantesca porta de carvalho, tão grossa que para abrÃ-la são necessários três homens de cada lado. Os soldados recebiam Adrian, assustados. O medo da guerra estava instaurado em seus corações, qualquer forasteiro era visto como uma ameaça ao grande perÃodo de paz que viviam há alguns anos. Os homens de Ibraim foram encaminhados para quartos de hóspedes, apenas Adrian e Sarto seguiram até o trono do rei. Um vassalo veio interpelá-los. Sarto apresentou o prÃncipe e informou que o rei deveria ser avisado de sua chegada. O homem era bem velho, gordo, manco e cego de um olho. Ele olhou bem para o garoto e, finalmente, pareceu reconhecê-lo. Instantaneamente seu sorriso desdentado aflorou. Ele saiu apressadamente para anunciá-lo. Adrian ficou alegre com a emoção do homem, ao mesmo tempo que se entristeceu por não lembrar dele. Sentimentos legÃtimos nunca são simples de se explicar.
Algum tempo passou desde que o homem saiu, Adrian não podia dizer que foi muito, mas também admitia que não fora rápido. O tempo passou exatamente como deveria passar. Ao longe, eles dois puderam ouvir passos de alguém correndo. Instintivamente, Sarto puxou sua espada, Adrian imitou-o. Logo eles notaram que não seria necessário, quem aparecia no corredor, ao longe, era uma mulher. Ali o garoto não conseguiu dizer que o tempo passou, para ser bem sincero, ele poderia dizer que o tempo estava parado durante longos oito anos. Era incrÃvel como ela conseguiu se manter exatamente a mesma, até mesmo os olhos chorosos que ele viu pela última vez a acompanhavam, porém, agora eles molhavam-se por júbilo. Ela correu até ele em um tempo que parecia infinito, quanto mais ela corria, para ele, mais ela demorava. Passando rápido, normal ou devagar, o certo é que o tempo sempre passa e, dessa vez, não foi diferente. Embora tenha custado, ela chegou até ele e, sem cerimônias, abraçou-o.
Adrian considerava-se um homem, afinal, ele já havia lutado, já havia bebido e já tivera uma noite de prazer (talvez com um bode, mas isso não veio à sua memória), mas, no fundo, ele era só um garoto de dezesseis anos`que tentava se afirmar como um. Tão logo ela envolveu-o com os braços, ele perdeu a força do punho e largou sua espada ao chão, retribuiu o abraço, seus olhos marejaram-se imediatamente e ele, como por mágica, voltou a ter oito anos. O cheiro da mãe trouxe-lhe à tona uma dúzia de lembranças, de brincadeiras e de conversas, de pessoas e de quartos. O cheiro dela estava presente em tudo e ela não conseguia imaginar como conseguiu viver longe dele. Tudo para ele estava claro, finalmente estava em casa.
— Meu menino — dizia a mãe, beijando-o como se tivesse encontrado algo que procurava há muito tempo. — Está um homem.
— Eu voltei, mãe — repetiu o garoto incessantemente.
— Eu nunca duvidei que você fosse voltar. Todos os dias eu aguardava e perguntava a Garibaldo se você voltou. O velho homem veio me felicitar agora, depois de três mil cento e trinta e cinco dias, pois meu filho havia voltado. Eu nunca mais quero que você saia de perto de mim.
— Vossa Alteza — atalhou Sarto. — Sinto interromper, mas o rei já está pronto para recebê-lo. Ele deseja questioná-lo sobre aqueles assuntos.
A rainha tremeu.
— Meu filho, o que houve? Como você conseguiu vir parar aqui? O rei Diógenes permitiu, ou vem foragido?
— Acalme-se, minha mãe — disse o garoto com alegria. — Não só ele me permitiu, como também me solicitou que viesse.
— Isso é verdade? — indagou ela com alÃvio.
— A mais pura. Vamos comigo até o trono de meu pai, lá contarei minha história e você poderá ouvir.
— Não, meu filho, depois você terá a oportunidade de me contar. Fico aliviada em ouvir que não veio à revelia de Diógenes.
— Bobagem, mamãe. Vamos logo, assim não terei que contar minha longa história duas vezes.
— Não, meu filho. Não me é permitido ir à presença de seu pai.
— Mas isso é um acinte — falou o garoto revoltando-se.
— Não diga tolices. Não vá entrar em conflito com seu pai logo ao chegar. Ele estará lá te esperando, junto de sua madrasta.
— Que tipo de brincadeira é essa? Como assim madrasta, minha mãe? Você está aqui, não está?
— Um rei pode ter quantas rainhas quiser, meu filho. Depois que você se foi, eu não pude mais servir ao seu pai como mulher. É natural que ele encontrasse afeto em outra.
— Isso é um absurdo, a senhora não pode permitir esse tipo de afronta.
— Meu filho, estamos na frente de um soldado — disse ela olhando para Sarto.
— Não por isso, Vossa Majestade. Sou surdo a assuntos que não me dizem respeito — falou o cavaleiro.
— Como deve ser — disse a mulher estendendo a mão para que o cavaleiro beijasse. — Porém, não é certo que meu filho ofenda a honra e as decisões do próprio pai. É evidente que ele não quer dizer as coisas que disse. Agora, meu filho, vá ver seu pai e, mais tarde, poderemos conversar melhor.
Ela deu um beijo na testa do filho e saiu, deixando-o furioso. O garoto pegou sua espada e foi junto a Sarto encontrar seu pai. O grande salão estava vazio, aparentemente o rei Aldenor não mantinha uma corte junto de si, ou não a tinha reunido naquele dia. O certo é que além dos soldados, só havia duas pessoas naquela sala. Aldenor, sentado em um belo trono vermelho e, do seu lado, a segunda rainha. Era uma mulher bonita, sem dúvidas, mas não chegava aos pés de sua mãe. Embora não fosse um juiz muito justo, ele não pensava uma inverdade. Sua mãe era talvez um dos mais belos espécimes que a raça humana pode produzir, tinha um rosto simetricamente perfeito, seu corpo era bem torneado e carnudo, todavia, o toque de mestre, era sua aparência cândida. A nova rainha era bonita, mas espelho nenhum poderia dizer que ela supera a anterior. Além de transparecer um ar de promiscuidade que, para Adrian, tornava-a uma mulher vulgar diante de sua mãe.
— Eu voltei, meu pai — disse o garoto, ajoelhando-se perante o trono do rei. Sarto repetiu o movimento, ainda que com uma hesitação palpável. O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas pelo eco das palavras de Adrian, reverberando nas paredes de pedra do grande salão.
Aldenor inclinou-se ligeiramente para a frente, o rosto franzido em uma máscara de desconfiança. Os dedos tamborilavam nervosamente no braço do trono, a coroa pesada parecendo lhe pender a cabeça.
— Você é mesmo meu filho? — indagou o rei, com a voz rouca e carregada de uma incredulidade quase cruel.
Adrian ergueu o rosto de imediato, sentindo um calor indignado subir-lhe à face. O homem diante dele parecia ainda menor do que se lembrava, a pele pálida e os olhos inquietos. Como aquele ser insignificante poderia ser seu pai? Ele levantou-se de um só impulso, sentindo a fúria pulsar nas têmporas.
— Não reconhece o seu próprio filho? — rebateu, a voz já menos amistosa, desdenhosa.
— Meu filho foi levado há muitos anos. Não teria como me lembrar de sua aparência — respondeu Aldenor, desviando o olhar para a rainha ao seu lado. O rosto do rei permaneceu impassÃvel, mas o nervosismo estava evidente na rigidez de seus ombros e no leve tremor de suas mãos.
Adrian abriu a boca para responder, mas antes olhou para a madrasta, que o fitava com um meio sorriso presunçoso, como se assistisse a um espetáculo trivial.
— Minha mãe, a rainha Sarah, pôde me reconhecer sem dificuldade — disse, forçando-se a manter a voz firme, mas sentindo a mágoa aflorar em cada palavra.
Ayla riu suavemente, um som que mais parecia o farfalhar de folhas secas.
— A minha doce Sarah — começou ela, com um tom quase caridoso. — Ela é uma mulher atormentada pela perda do filho. Qualquer adolescente loiro poderia enganá-la.
O sangue de Adrian fervia. Ele cerrava os punhos, mas os mantinha escondidos sob as mangas. Mordeu o interior da bochecha, sentindo o gosto metálico do sangue antes de responder:
— Não me lembro de ter me dirigido à sua pessoa, ou mesmo de ter sido apresentado a você.
Ayla ergueu as sobrancelhas finamente desenhadas, um sorriso debochado brincando nos lábios.
— Essa é minha rainha, Ayla — interveio o rei, apressadamente, como se temesse o rumo que a conversa tomaria. — Os homens disseram que você trouxe cartas de apresentação.
Adrian fez um gesto para Sarto, que, prontamente, entregou os pergaminhos ao rei. Aldenor pegou as cartas com ao mãos trêmulas e as abriu com dedos nervosos. O salão mergulhou em um silêncio tenso enquanto o rei lia em silêncio, mordendo o lábio inferior. Em seguida, passou os documentos para Ayla e começou a roer as unhas.
— Sim, você é quem diz ser — concluiu Aldenor, visivelmente incomodado. — O que isso significa? Diógenes o levou daqui como segurança. Sua presença lá deveria garantir nossa trégua. Você estando aqui significa que o rei está quebrando nossa trégua? Devemos esperar um ataque?
— Não, rei — respondeu Adrian, sentindo um crescente desprezo por aquele homem que, agora, lhe parecia um rato encurralado. — Estou em uma missão para o rei Diógenes. Para tanto, vimos solicitar sua ajuda. Dentro em breve, o chefe da cavalaria catoniana chegará aqui, Leon.
Aldenor pareceu empalidecer ainda mais. Uma gota de suor desceu-lhe pela têmpora.
— Sim, estamos prontos a ajudar o rei Diógenes — disse ele, quase em um murmúrio subserviente. — Nós temos feito a nossa parte, pagamos o tributo, auxiliamos os cavaleiros de Catônia. O que o rei precisa de mim para ter que mandar meu filho de volta?
— Augusto Roderick está em uma missão — a menção do nome fez Aldenor quase pular do trono. Seus olhos se arregalaram de um modo quase cômico. — Seu paradeiro, nesse momento, é desconhecido, mas há fortes suspeitas de que ele está aqui, em Quendor. O rei Diógenes ordenou que eu, Leon e um cavaleiro chamado Marcel viéssemos em seu encalço para ajudá-lo em sua missão, para que ela termine o mais breve possÃvel.
O rei balançou a cabeça lentamente, como se digerisse a informação.
— Então, os rumores eram verdadeiros... Roderick está à solta? — disse ele, com um suspiro lastimoso. — Não me espanta que haja confusão em todo canto.
— E no que poderemos ajudar? — quis saber Ayla, seus olhos brilhando com um interesse perigoso.
Adrian a fitou diretamente, a raiva fervendo abaixo da superfÃcie. Ignorando a madrasta, voltou-se para o pai.
— Diógenes não me mandou atrás da rainha, mas sim do rei.
Ayla estreitou os olhos, abandonando a máscara de doçura.
— Não me agrada a sua arrogância, garoto — disse ela, a voz agora fria como uma lâmina. — Eu sou Ayla, rainha e mão direita do rei. Não permitirei que me tratem assim diante de meu trono. Retire-se de meu castelo e agradeça por não ser açoitado.
Adrian esboçou um sorriso seco, quase imperceptÃvel.
— Então, Aldenor, é essa a resposta que levo para o rei Diógenes? — disse ele, ignorando completamente a madrasta.
— Não, não, não! — falou Aldenor desesperadamente, as palavras saindo de sua boca como uma cascata desordenada. — Eu auxiliarei como lhes aprouver. Quanto mais cedo Roderick voltar para Catônia, melhor.
— Ótimo, era essa a resposta que eu queria ouvir. E você, Ayla, não é? — voltou-se para a madrasta, e havia uma frieza cortante em sua voz. — Não pense que está protegida ao lado desse homem. Ele se proclama rei, mas todos viram-no lamber as botas de Diógenes. Ele entregou o próprio filho com medo do que um verdadeiro rei pode fazer. Minha mãe acreditava que ele a protegeria, mas ele permitiu que Diógenes a humilhasse e levasse seu filho único. Basta um estalar de dedos de Diógenes para que você seja jogada a um chiqueiro onde seria violada por porcos. Seu rei não moveria uma palha para ajudá-la. Ele não tem brio para enfrentar o rei de Catônia, mas eu não o culpo, é nÃtido que ele não é homem o suficiente para tanto. Um rei de verdade mandaria açoitar-me, independente de ser seu filho ou não, por tudo que disse agora. Mas sou um enviado de Diógenes; encostar um dedo em mim seria uma afronta ao próprio rei. Então eu pergunto, meu pai, o que você fará comigo?
Aldenor parecia uma estátua de gelo, imobilizado pela combinação de medo e impotência.
— Nada — disse ele, finalmente, com uma voz quase inaudÃvel, um misto de ódio, terror e frustração estampado no rosto.
— Foi o que eu imaginei. Quanto a você, meretriz, não ouse dirigir a palavra a mim novamente, ou serei bem enfático ao voltar para Catônia e dizer que o rei não se importa comigo e que uma ótima refém seria a nova rainha de Aldenor. Eu conheci Diógenes pessoalmente, ele é um gigante brutal e violento, sádico por natureza. O chiqueiro seria uma bênção comparado ao que ele faria com você. Vamos, Sarto, leve-me ao quarto de hóspedes.
Sarto olhou para o rei, esperando a autorização. Ela foi dada com um aceno de cabeça quase imperceptÃvel. O rosto de Aldenor estava pálido como a lua. O cavaleiro saiu na frente, ainda tentando processar o que acabara de testemunhar. Adrian o seguiu, deixando para trás um silêncio sufocante.