A história da humanidade é cheia de horrores, há quem acredite que no fundo o ser humano é realmente mau. Existem muitas histórias que corroboram essa tese. Violências que nem o sonho mais sádico pode descrever, já foram feitas na realidade por pessoas e, por vezes, eram até polÃtica de Estado. Você não acredita nas lendas que acredito? Então você é um maldito, queimarei seus filhos diante dos seus olhos e farei de você um exemplo enquanto arrasto seu corpo apodrecido pelas ruas. Você não quer fazer os trabalhos sujos que não são para pessoas de minha estirpe? Chicote e ferro te esperam. Amarrarrei sua boca para que não possa gritar, te afastarei dos que você ama e ai daquele que siga o seu exemplo. Toda violência e dor imaginável já foi infligida de um humano para o outro. Somos eternos Cains e Abéis. Isso não significa que não existam pessoas boas, mas sim que a maldade é inerente ao ser humano e, por vezes, é, inclusive, aceita e pedida pela sociedade. Porém, existem os pontos de desequilÃbrio. Como já dito, pessoas podem ser más, ou boas, mas existem aquelas que são tão exponencialmente voltadas para uma dessas duas opções que moldam uma geração. Assim foi Ifnir.
Um homem misterioso. Daqueles que pessoa alguma sabe onde nasceu ou de onde veio, que não tem famÃlia e nem amigos e parece ter surgido do nada. Eu mesmo não poderia dizer com precisão de onde ele veio. Talvez isso mude daqui para o fim dessa história, mas, nesse ponto especÃfico, sei apenas o que é dito ao seu respeito depois que ele surgiu como um lÃder de seita. As pessoas são seduzidas com facilidade, seja por prazeres carnais ou glória social. Ifnir prometia os dois. Esse nômade ermitão começou a aparecer em cidades ao redor do mundo e sempre conseguia angariar membros à sua seita. Homens sem emprego ou honra, pessoas capazes de trocar seus filhos por trocados, quanto mais por poderes além dos possÃveis a meros humanos, passaram a seguÃ-lo. Logo se imagina o que homens dessa estirpe podem fazer: estupros, torturas e sacrifÃcios passaram a ocorrer escondidos dos olhos da sociedade. Tudo como meio de paga aos pedidos dos demônios. Esses homens viraram monges de Ifnir e um gigantesco mosteiro foi construÃdo no alto de uma montanha para nele ser praticado todo tipo de abominação, além de servir de refúgio e escola para os membros dessa hedionda seita.
Séculos se passaram e o mosteiro continuava de pé e seu lÃder ainda era Ifnir. Ninguém sabe se esse é o mesmo homem que fundou o mosteiro ou se Ifnir seria uma espécie de cargo. FamÃlias nasceram e morreram e aquele homem ainda estava no poder. Nenhum dos monges vivos era integrante da primeira leva de correligionários. Desde que entraram no mosteiro, Ifnir era o lÃder e tudo indicava que aquilo iria perdurar para sempre. Isso, é claro, não fosse o pedido de Paulo. Os demônios estavam livres e todos os pactos desfeitos. Isso significava o fim do mosteiro.
Demônios não guardam agradecimento por nada, isso vai contra seus princÃpios. Eles usam seus contratantes e, quase sempre, ganham mais do que dão. Enquanto estavam aprisionados, foi dos monges que eles souberam o que acontecia no mundo. Esse contato com os monges era o único perÃodo de quebra do tédio. Os demônios forneciam poderes aos monges para que eles realizassem seus mais Ãntimos sonhos: davam força a homens fracos; ouro a homens ambiciosos; mulheres a homens hedonistas, principalmente quando estas não os queriam; e magia a homens com fome do mÃstico. Dar poder a esses homens era como viver um jogo no qual eles controlavam aqueles seres inferiores para poder passar o tempo. Os monges serviam como uma espécie de jogo virtual para os demônios. Como já dito, eles não ficavam agradecidos por essas oportunidades de lazer, apenas lucravam almas e serviço com elas, era uma situação na qual só havia ganhos para eles.
Agora, um sentimento que todo demônio guarda é o ressentimento. Os monges sabiam que apenas um Roderick poderia quebrar as paredes das prisões dos demônios, mas, por ordem de Ifnir, nunca levaram um para lá, mesmo diante de propostas escandalosamente vantajosas. O motivo era óbvio: libertar os demônios era tirar para sempre a oportunidade de negociar com eles, pois soltos eles não mais precisariam dos monges para nada. Os demônios entendiam isso, fazia sentido e, se fossem eles no lugar dos monges, fariam a mesma coisa. Mas, nem por isso deixaram de guardar esse rancor. Provavelmente esse rancor ficasse apenas guardado como um sentimento platônico, isso, é claro, se Paulo não tivesse quebrado todos os pactos. Isso fez com que todo o trabalho que os demônios tiveram durante séculos fosse jogado no lixo, todas as almas que eles tomaram para fortalecer seus exércitos estavam livres e todos os favores que lhes deviam estavam pagos. Não poderia haver coisa pior no entendimento de um demônio. Fazer um serviço e não ser pago por ele, era coisa de seres inferiores, só deveria acontecer com os outros e não com eles. Já que eles estavam livres e os monges não lhes deviam mais nada. Chegou o momento de vingar-se pelo rancor guardado.
Os monges nem entenderam o que aconteceu direito, estavam no mosteiro, fazendo suas atividades cotidianas, quando foram arrancados do reino dos homens para o dos demônios. Seus espÃritos transplanaram de um local para o outro por um puxão que eles nunca sentiram antes, tal como um peixe fisgado por uma lança de pesca, eles foram invocados. Paulo, Roderick, Valentim e Apollion estavam no meio da multidão de demônios e viram in loco o que aconteceu. Tão logo eles surgiram, os demônios passaram a flagelá-los impiedosamente. A cena dantesca era constituÃda de homens sendo chicoteados por correias em brasa, outros foram crucificados, alguns eram simplesmente devorados, os mais azarados eram esfolados e violados até a morte. Valentim lutava para não enlouquecer diante de todo aquele horror, seu medo crescera a um ponto que ele já não conseguia sequer esboçar reações. Ele só pensava em como sair dali incólume. Roderick, pelo contrário, encheu-se de fúria ao ver tamanha covardia. Sacou sua espada e teria começado uma luta, não fosse por Paulo. O monge deteve o cavaleiro.
— Paulo, me largue — disse Roderick, tirando a mão do monge de seu peito. — Não importa se estamos em menor número, não admito uma covardia tão grande sem fazer nada.
— Você não deve se meter, Roderick — insistiu Paulo. — Isso não é covardia, entenda isso como uma semeadura.
— Não é hora para suas loucuras — falou o cavaleiro de forma exacerbada —, esses homens estão morrendo das formas mais odiosas possÃveis. Não posso mais permitir que isso continue.
— Louco seria você se os ajudasse agora. Acha que o que está acontecendo com eles é odioso? Pois imagine isso sendo aplicado em mulheres e crianças indefesas. Seria tão, ou mais, odioso, correto? Os demônios não estão massacrando eles aleatoriamente, estão devolvendo os pedidos feitos por esses monges. Todos os sofrimentos que eles estão passando agora, já foram infligidos por eles a inocentes. Esses não são homens irrepreensÃveis sendo torturados, mas sim calhordas colhendo os frutos de suas atrocidades. Seria desonroso de sua parte interferir nessa catarse do destino — embora a contragosto, o cavaleiro anuiu com um meneio de cabeça e, com esforço hercúleo, passou a assistir de maneira impassÃvel.
No meio de toda a gritaria e violência, apenas um monge não era atacado. O circo de horrores acontecia ao seu redor e ele apenas podia observar com cara de desolação. Era um homem bem idoso, muito delgado e enrugado, seu aspecto era digno de pena. Ao seu lado, Magog gargalhava a plenos pulmões, seu contentamento era visÃvel. O velho via o massacre como uma criança observava um castelo de areia ser destruÃdo por pés maldosos. Após alguns minutos, nos quais a maioria dos monges teve seu fim, Magog puxou o homem velho para perto de Paulo.
— Aà está o responsável por esse espetáculo — disse o demônio jogando o velho ao chão, enquanto apontava para Paulo. — Agradeça-o.
— Paulo, é você? — indagou o ancião surpreso. — O que está acontecendo aqui?
— É, acho que você está certo, sou Paulo — disse o monge, exalando pedância. — Pelo menos foi assim que você me nomeou. Você pergunta o que está acontecendo? Isso, seu pedaço de lixo, é a sua ruÃna.
— Calma, Paulo — disse Roderick que ficou surpreso ao ver o monge falando daquele jeito arrogante. — Ele é apenas um senhor idoso.
— Um senhor idoso? Ah, ah, ah! — gargalhou genuinamente o monge. — Ouviu essa, velhote? Ele pensa que você é apenas um inocente senhor idoso. Pela manhã você não o reconhecieria, pois ele estava com trinta anos a menos. Deixe-me apresentá-los. Esse, meu caro amigo, é o senhor do mosteiro. O espÃrito interminável, a malevolidade encarnada, o todo poderoso Ifnir. Esse, velho mestre, é o último descendente, o de famÃlia ancestral, aquele que não pode ser derrotado, o cavaleiro mais forte do mundo, saúdem o espetacular Augusto Roderick.
— Você não fez isso… — disse o velho enquanto rangia os dentes, sua cara de espanto aos poucos se tornava uma de rancor.
— Ah, fiz, sim, meu amado mestre.
— Não, você não seria capaz! — vociferou o velho.
— E quem mais além de mim seria? — falou o monge afetando humor. — Para que não restem mais dúvidas na sua cabeça envelhecida, resumirei. Trouxe um Roderick ao reino dos demônios, fiz ele libertá-los e consegui, em troca desse favor, que todos os pactos dos monges fossem anulados.
— Por quê? Me diga o porquê, seu canalha! — indagou o velho desesperado.
— Porque era o que vocês mereciam — concluiu Paulo. O velho tentou agarrá-lo, mas Paulo deu-lhe uma rasteira, fazendo-o cair.
— Ah, ah, ah! — gargalhava triunfantemente Magog. — Grande discÃpulo esse seu, hein, Ifnir? Era esse o seu grande trunfo para o futuro do mosteiro? O grande prodÃgio?
— Não ria, canalha — disse o velho tentando levantar-se. — De você, seu demônio imundo, eu já esperava essa traição, mas esse moleque me deve tudo. Como você pôde?
— Você só pode estar de brincadeira? — perguntou Paulo já não conseguindo mais manter o ar de superioridade, no seu lugar começava a surgir um rancor primitivo.
— Como não? Eu lhe dei uma casa, lhe dei um nome, ensinei-lhe as artes mÃsticas e como você me agradece?
— Você praticamente me expulsou do mosteiro, seu velho mentiroso — disse Paulo, já tão furioso quanto o outro. — Você se lembra que me disse que, se eu voltasse para lá, seria enforcado?
— Você sempre foi assim, Paulo, inconsequente. Você estava cumprindo penitência por suas ousadias e pilhérias sem fim. Você sabia muito bem que seria aceito de volta ao mosteiro dentro em breve. Agora isso é impossÃvel e todos estão mortos por sua culpa.
— Nem todos, não é, velhote? — indagou Paulo de forma enigmática.
— Como não? Olhe para os lados.
— Não me refiro aos seus capachos. Esses estão tendo o fim que mereceram.
— Do que você está falando?
— Você deve pensar que todas as pessoas do mundo são burras, não é? Mas não são, velho bastardo. Pelo menos, eu não sou. Eu nunca me senti encaixado naquele mosteiro, vocês sempre me pareceram criaturas más e odiosas. Quase todos, menos os meus amigos. Órfãos, assim como eu, cresceram naquele inferno e tinham tanto nojo de vocês quanto eu sinto. Você não podia suportar isso, não é, velhote? Por isso os matou.
— Não sei do que você está falando — disse o velho.
— Sabe. Sabe sim. Sabe muito bem. Você fez tudo para parecer um acidente, mas isso não me convenceu. Nós éramos cinco órfãos, lembra? Creio que não, já que a maioria era descartável para você. Nós sobrevivÃamos naquele mosteiro imundo vendo todo tipo de imundÃcies que vocês faziam, sem poder fazer nada para impedir. TÃnhamos apenas uns aos outros. Quando querÃamos extravasar nossas frustrações, Ãamos a Viseu. Mas nem isso você poderia permitir, não é? Começou a matá-los, um a um.
— Você deve estar louco. Não tive nada a ver com a morte desses seus amigos — disse o velho mostrando confiança.
— Não há mais por que mentir, Ifnir. Está tudo acabado, mas entendo que velhos hábitos nunca morram, diferente dos meus amigos que você fez questão matar. Puxe na memória, você deve lembrar. O primeiro que você matou foi Vladimir. Ele gostava muito de beber. Eu poderia facilmente dizer que esse era o seu maior dom e a sua maior fraqueza. Ele era um cara divertido. Sabe, Ifnir, eu realmente acreditei que ele tivesse morrido por ter exagerado na bebida. Seu plano teria dado certo, não fosse por uma maldita intuição que apareceu na minha cabeça. Uma suspeita cutucava a minha mente todos os dias. Como podia, um homem que já havia tomado tanta bebida, morrer justamente por excesso de álcool? E ainda tão jovem. Havia algo de errado ali. Eu profanei seu túmulo e o dissequei. Espero perdão, meu amigo, mas eu precisava de provar. Em seu estômago ainda havia resquÃcios do veneno mágico. Não deve ter sido difÃcil fazê-lo beber aquilo, não é?
— Eu sabia que você era especial, sempre soube — disse Ifnir. — Eu precisava protegê-lo. Você estava desvirtuando-se, o conhecimento não era mais o seu objetivo. Se aquele homem ainda estivesse vivo, hoje você seria um simples alcoólatra.
— E você ainda teria o seu mosteiro, seu imbecil. Pensou que podia me fazer de fantoche por toda a vida e eu não notaria. Achou mesmo que eu não notei quando você pagou homens para simular uma briga com Alex? Que você pagou os soldados para dar um fim nele? Eu sei de tudo, inclusive que você mandou aquele monge em forma de águia derrubar Carlos do despenhadeiro.
— Admito que eu o subestimei.
— O que eu não entendo foi o que aconteceu ao Salvador. Ele te amava e te admirava, embora ele não concordasse com a sordidez dos monges, ele ainda te respeitava. Você tinha que matá-lo da forma mais dolorosa possÃvel. Fingir que aquela maldição que você aplicou nele era uma doença que uma rameira qualquer transmitiu para ele foi a sua mais fraca peripécia. Você amaldiçoou ele com a mais dolorosa das magias de tortura. Por quê?
— Foi tudo pelo seu bem, Paulo. Esses amigos perturbavam a sua cabeça, eu precisava de você esperto, estudando e crescendo. Queria que você se tornasse o mais poderoso monge.
— Não me venha com essa ladainha. Faz tempo que já sei o que você quer comigo. Embora eu odiasse, estudei muito para descobrir. Eu queria saber o porquê de você não me matar também. Foi quando eu descobri o segredo da sua imortalidade. Você toma o corpo de monges mais jovens. Demorou muito, mas eu descobri os poderes de Magog. Quando eu descobri que ele poderia transportar uma alma para um corpo diferente, eu entendi o seu plano. Você pegava jovens órfãos, treinava-os nas artes mÃsticas, descartava aqueles que não se desenvolviam bem, depois, tomava o corpo daquele que se mostrasse mais talentoso.
— O garoto é esperto mesmo, Ifnir — gracejou Magog. — Descobriu todo o seu ardil que até agora ninguém havia descoberto.
— Sim, o fedelho é esperto — admitiu o velho. — Infelizmente, esperto demais. Eu deveria tê-lo matado e escolhido Salvador, ele também era talentoso, não teria sido uma escolha ruim. Fui ganancioso demais. Agora, se você pensa que tudo terminará com um final feliz, está muito enganado.
— Você não tem mais poder de nada, velho — disse Paulo triunfante.
— Sim, é verdade, você me aplicou um xeque-mate, mas esqueceu do que teve que sacrificar para conseguir. O que você acha que acontecerá com os demônios depois que isso tudo acabar? Você libertou as criaturas mais perigosas e odiosas do mundo inteiro só para se vingar pela morte de quatro zés-ninguém? Acha mesmo que isso é uma vitória? A vida dos seus amigos valia mais do que a sua própria, por exemplo? Tenho certeza que Magog o matará da forma mais cruel e sádica possÃvel.
— Pode contar com isso — disse o demônio lambendo os beiços.
— A vida deles pode não importar tanto, mas a alma deles sim. Você havia feito com que eles contratassem pactos com demônios em troca de suas almas. Eles morreram e suas almas estavam aprisionadas para toda a eternidade com esses demônios imundos. Cancelar os pactos não só era uma forma de eu vingá-los, mas também de libertá-los. Sei que vou morrer aqui, mas espero que Roderick consiga matar uma boa parcela de vocês.
— Uma boa parcela não é tudo — disse o velho. — Se só um sobreviver, já terá poder suficiente para dominar nosso mundo. O pior é que se o último Roderick morrer aqui, nada poderá impedi-los. Esse seu plano foi uma cagada monumental.
— Eu fiz o que deveria ser feito — disse Paulo com pragmatismo. — Eram meus amigos, eu tinha que fazer de tudo para libertá-los e vingá-los, o que acontecer a seguir não está mais sob minha alçada. Roderick, me desculpe por tê-lo posto nessa situação, mas era necessário. Quando eu te reconheci, já arquitetei esse pleno. Foi o destino que juntou nossos caminhos.
— Não precisa se desculpar, você fez o que deveria ser feito — disse o cavaleiro com resolução. — Eu sempre soube que você não era totalmente louco e também sabia que você escondia algo, só não me importava, desde que você me mostrasse como recuperar minhas protegidas. Estamos quites, Paulo.
— Obrigado — disse o monge. — Apollion, meu amigo. Me desculpe por ter quebrado nosso pacto, mas era necessário. Agora que você é um general, Magog não poderá descartá-lo e os outros terão que respeitá-lo.
— Você deveria ter me contado — disse o pequeno demônio segurando as lágrimas.
— Você teria permitido que eu realizasse meu plano?
— É claro que não. Não me importa ser general se você tiver que morrer por isso.
— É como eu imaginei — disse o monge abraçando Apollion. — Você foi um bom amigo. Valentim, você é aquele a quem eu mais devo pedir perdão.
— Não faça isso — disse Valentim quebrando seu silêncio. — Não é justo que me peça perdão. É meu direito odiá-lo.
— Nós dois sabemos que isso é mentira, então eu pedirei de qualquer jeito. Te meti em uma grande enrascada, não foi? Esses dias que passamos juntos foram bem divertidos. Desde que meus amigos haviam morrido eu não me divertia tanto. Perdão por eu ter omitido todo o meu plano. Sem vocês três, eu não poderia ter libertado meus amigos. Muito obrigado, Valentim — disse Paulo enquanto abraçava o bandoleiro. Aproveitando-se que o outro estava emotivo e distraÃdo, deu-lhe um beijo na boca. Valentim o empurrou e cuspiu no chão, Paulo gargalhou.
— Seu desgraçado, mesmo agora ainda me aparece com mais uma piada infame — falou Valentim, enfurecidamente. O bandoleiro detestou a brincadeira, mas, ainda assim, sentiu vontade de agradecer, isso porque ela o despertou. Desde que todos aqueles demônios apareceram, ele ficou em uma espécie de estado de choque, o medo não lhe deixava raciocinar direito. A brincadeira de Paulo o acordou e ele estava pronto para bolar um jeito de sair dali.
— É tudo muito bonito, mas é chegado o momento do fim — concluiu Magog. — Falta só realizar o último desejo e então estaremos livres para destruÃ-los. Só falta você, Valentim. Eu facilitarei as coisas para vocês. O meu ódio e o dos meus demônios é para com Paulo e os monges. Vocês dois não significam nada para nós, faça o seu pedido e sele a paz para conosco. Vá embora junto com Roderick e nossa vingança não recairá sobre vocês dois.
— Ótimo — disse Paulo. — É a oportunidade de vocês saÃrem daqui vivos e incólumes.
O bandoleiro olhou bem para o monge e não sentiu que ele falava aquilo da boca para fora. Parece que o maldito realmente ficou feliz ao saber que havia um jeito deles saÃrem sem se ferir, mesmo que aquilo significasse o seu fim. Valentim lembrou-se de sua famÃlia e pensou em como seria bom poder desejar viver em liberdade com eles, mas, infelizmente, isso era impossÃvel. Ele desculpou-se mentalmente com seus familiares e tomou uma resolução.
— Não, Magog — disse Valentim. — Somos tão culpados disso tudo quanto Paulo, iremos enfrentar vocês. Esqueceu-se que tenho um pedido irrestrito? E se eu desejar que vocês morram?
— Desperdiçou uma boa chance de se ver livre, bandoleiro — disse Magog com malÃcia. — Existem algumas regras em pactos, tomar a vida de qualquer uma das partes é proibido, não fosse isso nós mesmos já terÃamos arrancado a sua pele.
— Então eu poderia pedir para que vocês voltassem à prisão?
— Isso também seria contra as regras. Tirar-nos da prisão lhes deu o direito aos pedidos, prender-nos seria anular o benefÃcio que tivemos, isso é proibido por ambas as partes. Não seja tolo, Valentim, não importa o que peça, nada poderá salvar Paulo. Peça algo para si e vá embora em paz, ou se prepare para entrar na guerra sem um exército aliado — aquela proposta chegou aos ouvidos do bandoleiro como uma bênção. Valentim sorriu.
— Sabe, Magog, você me deu uma excelente ideia para um pedido. Mais cedo você me disse algo que me deixou curioso. Falou que Roderick aparentava ter a aura de todos os seus antepassados presa nele. Pois bem. Isso me deu uma ideia para um pedido.
— Desembucha — falou Magog apressadamente. — Vamos acabar logo com isso.
— Pois bem. Eu desejo que os espÃritos de todos os antepassados de Roderick venham nos auxiliar na batalha contra vocês! — Magog ouviu aquilo e imediatamente assombrou-se, pois aquele desejo ele podia conceber.